Olympe de Gouges. Foto: Não aguento quando

A primeira vez que ouvi falar sobre feminismo, eu já estava na faculdade. Num primeiro momento, eu pensava que o feminismo era apenas um movimento que lutava pela igualdade pura e simples entre homens e mulheres e que as mulheres feministas eram muito mais livres, desprendidas e donas de si.

Eu achava aquilo tudo muito distante de mim. Eu, que sempre lutava para me adequar a padrões, que sempre pensava que o único jeito de ser livre era nascer, numa próxima vida, como homem. Pensava que estávamos evoluindo, talvez naturalmente, e que um dia, ser mulher também significaria ser livre. Mas eu ainda me via entre cercas, limites que me impediam de viver dessa forma. Não sei bem se eu realmente me conformava: é tão difícil querer se adequar num mundo que não é feito para uma mulher.

Porém, eu só fui conhecer outras possibilidades quando estava para me formar. Só fui conhecer a luta no momento em que tive que ficar enclausurada no quarto para estudar. E só fui conhecer a história do feminismo quando questionei, realmente, de onde vieram os avanços que as mulheres conquistaram nos últimos anos, o porquê de a desigualdade de gênero ser tão presente em todos os países do mundo, o porquê de o machismo e a dominação masculina prevalecerem em, praticamente, todas as sociedades.

Isso quer dizer também que…

Eu tive zero contato com o movimento feminista durante minha adolescência. Eu sequer ouvi algo parecido, e olha que eu devorava os livros de História. Memorizei (ou decorei, hehe) sobre a Revolução Francesa de trás para frente e eu não li nada sobre Olympe de Gouges ou Mary Wollstonecraft.

Descobri que, finalmente, em 1934, as mulheres passaram a ter o direito de voto, mas até então, pareceu que Vargas foi um presidente progressisto e benevolente. Eu não estudei sobre as sufragistas e que foram elas as responsáveis por hoje eu poder ir às urnas e votar.

Sabia que as décadas de 60 e 70 foram uma época de contra cultura, soube do Woodstock, das pessoas que se revoltaram contra as guerras destrutivas e desnecessárias pelas quais o mundo estava passando. Até sabia que foi nesse época que surgiram o anticoncepcionais e que as mulheres puderam ter um controle maior sobre a gravidez. Mas eu não sabia da força que o movimento feminista ganhou nessa época, da busca pela conscientização e pelo empoderamento feminino. Eu-não-fazia-ideia-de-tudo-isso.

Eu nasci nos anos 90, cresci nos anos 2000 e não tive contato com movimento feminista até, praticamente, 2013. Eu já me culpei por isso, por talvez não ter buscado conhecer e saber mais sobre o assunto. Porque esperar que ele viesse até mim seria mesmo inocência.

Ao mesmo tempo, fico feliz em ver meninas de 14, 15, 16 anos escrevendo textos maravilhosos sobre o feminismo, criando páginas, grupos de discussão, levando o tema para a escola, difundindo e exercitando a sororidade. A internet fez, de fato, uma verdadeira revolução nesse quesito!

Nós precisamos ser as protagonistas de nossas próprias histórias

Karl Marx disse que “as ideias dominantes de uma época sempre foram as ideias da classe dominante”.¹

Dessa forma, a história é contada pela visão daqueles que detêm o poder, seja ele econômico, político, ideológico e espiritual.² Se os homens sempre estiveram no poder, de forma milenar, os protagonistas da nossa história fazem parte, unicamente, desse grupo predominante, o qual, inclusive, neutraliza todas as diferenças e as desigualdades existentes entre os seres, praticamente anula suas existências (exemplos: colocar “homem” como palavra dominante, ao mesmo tempo, com a ideia de neutralidade e universalidade).

Se foram os homens brancos heterossexuais os detentores do poder, não há espaço para as mulheres, para os negros ou para os homossexuais contarem suas próprias histórias.

Isso é exemplificado pelo ofuscamento das mulheres como protagonistas em qualquer coisa (como atuantes nas revoluções, como grandes escritoras e artistas, como criadoras de invenções revolucionárias…), para a romantização da escravidão africana e da exploração indígena no Brasil, por exemplo, para a heteronormatividade em todas as relações.

Por isso, não me espanto com o horror que a palavra “gênero” causa nos conservadores-mantenedores do status quo. Colocar esse tema em voga é, pela primeira vez, a oportunidade de se discutir sobre a opressão das mulheres, sobre o machismo, o patriarcado, a violência de gênero. É chamar a atenção para o desequilíbrio de forças, a submissão e a inferiorização de um gênero pelo outro. É, inclusive, colocar em pauta a diferença entre sexo e gênero e quebrar a naturalização que se associa entre um conceito e outro.

É, finalmente, unir e empoderar um grupo, que não disputa o poder contra outro – apenas quer neutralizar esse poder desproporcional existente e ser, enfim, protagonista de suas próprias histórias.

Para inspirar…

 

 

[1]MARX, Karl; ENGELS, Friederich.  O Manifesto do Partido Comunista. E-book, 1999.

[2] Idem.  

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