Lindxs! 🙂 Foto: Minha Série
Associar o homem à figura feminina é uma das piores formas de humilhação do macho. Por quê?
Segundo Pierre Bourdieu (2002), a posse homossexual é umas das piores formas de humilhação do homem macho. Isso acontece justamente porque a dominação masculina inferioriza e negativiza o gênero feminino, associa tudo o que há de pior a esse gênero, enquanto enobrece e sobrevaloriza o gênero masculino. O homem precisa corresponder ao que foi construído no gênero masculino, que preconiza a ideia do ser ativo, que domina (possui), é viril, é superior.
Dessa forma, ele é legitimado a atuar com assimetria de poder em relação ao outro gênero (o outro é o feminino), o qual também preconiza papeis de submissão, incapacidade e passividade às mulheres.
O gênero é uma construção social, que reflete os valores e a cultura de determinada sociedade em determinado contexto, e que tenta naturalizar diferenças biológicas existentes entre o sexo feminino e o masculino em diferenças socialmente construídas, o que prejudica enormemente as mulheres e dá poderes extremos aos homens.
Porém, o machismo pode ser prejudicial ao homem justamente pela cobrança absurda que a sociedade impõe em relação à adequação à masculinidade.
Associar o homem a características femininas, que são inferiores, é uma afronta à sua masculinidade – ela é colocada em dúvida, e o homem já não consegue corresponder ao que dele se espera, por isso, pode nem mesmo se reconhecer mais como homem.
É bem comum escutarmos que um homem parece “mulherzinha” quando ele é “romântico”, com ares de passividade e amabilidade, pois não é isso que dele se espera. Espera-se que ele seja bruto, agressivo, despreocupado com sua parceira… E o pior, tenta-se ainda naturalizar que mulheres “gostam” de homens que “tratam mal” e não “valorizam” os românticos. Tudo isso para que os sexos correspondam ao que foi construído no gênero!
Não surpreende, portanto, a não aceitação e a punição em relação aos homens homossexuais, que, muitas vezes, não correspondem e nem fazem questão de corresponder à masculinidade imposta ao gênero masculino.
O estupro
O estupro é uma dura realidade, a qual nós mulheres estamos sujeitas a sofrer. Apesar de ser um crime punível com reclusão, e quem o comete quase sempre está sujeito a humilhações morais pelos cidadãos de bem, a maioria da população brasileira ainda não reconhece que existe uma cultura do estupro, que ele não é uma atitude exclusiva de homens loucos que esperam uma mulher passar sozinha num beco escuro, ou que a roupa com a qual a mulher estava vestida não faz qualquer diferença para o estuprador cometer o crime.
Isso quer dizer que, infelizmente, não surpreende uma mulher ser estuprada. Ainda não se tem ideia da dimensão das consequências psicológicas do momento do estupro e do pós-estupro com as quais a mulher sofre, quase sempre pelo resto da vida.
O estupro revela, simplesmente, a cultura do culto ao falo, da dominação masculina, da legitimação da posse do homem sobre a mulher. O estupro reflete justamente essa posse que homens sentem em relação aos corpos objetificados das mulheres!
Estupro é a materialização dessa posse doentia, consequência da desigualdade de gênero.
Portanto, quando isso acontece com um homem, pois acontece, ainda que seja mais raro, o homem perde completamente suas características de dominador e possuidor e torna-se o passivo, o possuído, o dominado.
Coloca-se por terra sua masculinidade e isso é a pior humilhação que um homem, na sociedade machista e patriarcal, pode sofrer.
Um pouco de spoiler da série Outlander, que me fez refletir sobre esse assunto.
Na série Outlander, Jamie foi estuprado pelo capitação Black Jack Randall e ele quase, literalmente, morreu por conta dessa humilhação. Jamie, um homem másculo, guerreiro, viril, foi tomado como prisioneiro sexual de outro homem. Esse outro homem, o Randall, não é homossexual. Porém, ele era doente pelo poder, pela posse que ele achava que tinha sobre as outras pessoas, e para ele, não havia melhor jeito de demonstrar essa posse que não fosse utilizar o seu falo. Ele fazia isso com mulheres, mas fez com Jamie também. Ele sabia que isso iria destruir Jamie, e era o que Randall mais queria.
Jamie já não se reconhecia mais como homem. Ela estava com vergonha, não conseguia nem mesmo olhar para sua esposa Claire. A vida tinha acabado para ele.
Disso, as mulheres entendem bem! Claire também fora estuprada por um soldado inglês, quase fora estuprada duas vezes pelo próprio Randall, e toda ameaça que ela sofria por homens hostis à sua presença era de cunho sexual. Essa é a maior arma que os homens, sob a dominação masculina, creem possuir sobre uma mulher!
Mas não sobre eles mesmos. Essa arma não pode ser utilizada contra eles, isso é uma “inversão de papéis” inadmissível.
Randall acabou com a honra de Jamie, e Jamie crê que a única forma de superar o que Randall fez com ele é matá-lo.
Infelizmente, para muitas mulheres que foram estupradas, a única forma é fazer algum tipo de tratamento psicológico, já que muitas vezes, não se credita sua palavra: como vítimas, responsabilizam-na pelo crime que sofreu. Temos que seguir em frente, pois a maioria de nossos estupradores sai impune do crime.
Nunca seria minha intenção menosprezar as consequências de um estupro sofrido por um homem. A reflexão foi apenas que, o que leva à humilhação, muitas vezes, não é ato do estupro em si, mas a problemática em torno da sexualidade do homem, da sua masculinidade, da sua virilidade: a sua associação ao gênero feminino e toda a sua inferioridade.