Foto: Ensaios de Gênero
É muito comum encontrar pela internet pessoas que são contra o movimento feminista e, como “argumento”, citam sempre sentenças falaciosas e que não procedem historicamente nem socialmente.
Eu confesso que procuro evitar ler comentários ou acessar canais no youtube de pessoas que são contra o movimento feminista, pois geralmente as interpretações estão muito aquém do nível de discussão exigido para o estudo desse tipo de movimento histórico-social e os comentários e as impressões se limitam, quase sempre, há discursos de ódio, repletos de ignorância sobre o assunto, misoginia, classismo, racismo, homofobia e também gordofobia.
Porém, consegui compilar 10 conceitos completamente equivocados sobre o Feminismo e que estão quase sempre na boca daqueles que vociferam contra o movimento e suas participantes. Vamos desconstruí-los!
1.O Feminismo é a mesma coisa de Comunismo, porque ambos nasceram na mesma época
Vejo muitos que associam o Feminismo ao Comunismo de forma equivocada, mas talvez seja porque, de fato, o Feminismo pode ser considerado um movimento de esquerda, por lutar contra o status quo que permeia a sociedade conservadora, a qual, por sua vez, é patriarcal, machista e misógina.
O Comunismo é também visto como algo terrível nessa sociedade e sempre que proferido por leigos, fazem-no de forma extremamente pejorativa. Se o Comunismo é algo muito ruim, associá-lo ao Feminismo contribui para que esse último também seja visto como algo ruim.
Porém, Feminismo e Comunismo são conceitos, teorias e movimentos bem diferentes. Os principais teóricos do Comunismo moderno, Marx e Engels, não chegaram a mencionar de forma clara a emancipação feminina na sociedade, por isso, eu não vejo muito sentido em associá-lo diretamente a uma luta contra a desigualdade de gênero.
Claro que o Comunismo, ainda que timidamente, chegou a proferir algo como a maior participação das mulheres na sociedade, até porque aquelas que não provinham de classes abastadas trabalhavam muito mais e ganhavam muito menos do que os homens nas indústrias. Nada mais justo do que participarem, então, da vida política e social como os homens, porém essa não era a pauta principal do Comunismo.
Ademais, o Comunismo, como teoria moderna, data do século XIX, enquanto o movimento Feminista tem suas origens mais sólidas a partir da Revolução Francesa, no século XVIII.
Porém, haverá mulheres feministas que se identificam com as ideias comunistas? Sim, mas isso não é suficiente para associar esses dois movimentos como se fossem um.
Dessa forma, Comunismo e Feminismo não são a mesma coisa: de forma resumida, o Comunismo visa a uma sociedade igualitária no sentido de não haver classes sociais nem meios privados de produção, enquanto o Feminismo luta contra a desigualdade de gênero, que inferioriza o gênero feminino e dá supremacia ao masculino. Uma sociedade igualitária do Comunismo faria mais sentido se houvesse igualdade entre os gêneros, certo? Mas essa não era pauta clara desse movimento.
Portanto, não há como fazer essa associação direta, muito menos dizer que os movimentos são da mesma época ou que um nasceu do outro.
2. Feministas são “feminazis”, ou seja, o Feminismo está associado ao Nazismo de Hitler (?)

Se o “argumento” número 1 associa o Feminismo a um movimento de esquerda, que é o Comunismo, esse aqui faz uma associação a outro movimento, dessa vez de extrema-direita. E é comum ver pessoas ululando que “feminazis são comunistas”, ou seja, as feministas são ao mesmo tempo associadas a movimentos de esquerda e de extrema-direta… Como isso seria possível? Por isso mesmo, esse apelido dado às mulheres engajadas no movimento feminista não faz algum sentido!
O Nazismo pregava a superioridade de uma raça sobre as demais, baseado no antissemitismo e no anticomunismo, com base política totalitária.
Já algumas lutas do movimento feminista podem ser descritas como a busca por igualdade salarial entre homens e mulheres, a divisão igualitária das tarefas domésticas, a emancipação econômica da mulher, a denúncia contra a cultura do estupro e do assédio sexual, a luta contra o feminicídio e contra a exploração sexual, a maior autonomia das mulheres como seres humanos dotados de plena capacidade política e cidadã…
Sinceramente, gostaria mesmo de saber quem inventou esse tal apelido, associando um movimento totalitário, racista e de extrema-direita ao Feminismo.
Mais uma vez, não faz qualquer sentido.
3. O Feminismo prega a superioridade das mulheres em relação aos homens (ou feminismo é o contrário de machismo)

Na verdade, o Feminismo é uma luta contra um sistema baseado e convencionado na superioridade de um gênero em relação ao outro. O gênero inferiorizado e subestimado é o feminino, e as justificativas para essa desigualdade são puramente inventadas, em um contexto social baseado no poder e na dominação masculina.
Por isso, de forma libertadora, as mulheres feministas buscam a igualdade entre os gêneros, pois, ao contrário, a inferiorização do gênero feminino não possui justificativas naturais ou biológicas, como por muitos anos foi pregado.
Se sofremos tanto com opressões, inferiorização, submissão e desigualdades, não gostaríamos de simplesmente inverter o lado da moeda. Gostaríamos que essa situação acabasse, por isso, a luta do feminismo não é de superioridade. De forma simplificada, é uma luta por igualdade (conseguida, muitas vezes, por meio da equidade).
4. O Feminismo não é mais necessário, pois as mulheres têm tudo o que podiam querer
É comum ouvir isso de pessoas, principalmente as de classe média e alta, que o Feminismo é “mimimi” porque as mulheres já conquistaram tudo que podiam querer. Essas pessoas devem se basear, suponho eu, apenas nas mulheres de sua família, geralmente brancas, graduadas e inseridas no mercado de trabalho. Mas as mulheres não serão completamente livres enquanto houver outras ainda oprimidas. Assim, essas mesmas pessoas se esquecem das mulheres que trabalham como domésticas ou diaristas em suas residências, geralmente negras, com pouca escolaridade, da babá que sempre está vestida de branco cuidando do filho dos outros e deixando os seus, daquelas em situação de informalidade e em outros tipos de subemprego…
Estudar o Feminismo de maneira interseccional é uma boa saída, pois ele engloba outras opressões sofridas pela mulher, como a de classe e a racial.
Além disso, mesmo as mulheres de classe média que conquistaram certa independência financeira estão sujeitas a sofrerem com violência doméstica e com dependência psicológica, e a permanecerem, então, em relacionamentos abusivos que podem culminar em feminicídio.
Foi apenas por causa do movimento feminista que hoje votamos e estamos mais inseridas na esfera pública da vida. Estamos dando passos tímidos na luta contra a desigualdade de gênero, mas é ainda só o começo. Por isso, o feminismo é completamente atual, necessário e urgente, mesmo para as mulheres de classes sociais mais elevadas.
5. As feministas odeiam os homens e praticam misandria

Tanto os homens quanto as mulheres nascem nessa sociedade desigual em sua estrutura e desde pequenas as crianças vão naturalizando diferenças impostas entre gêneros. Daí acontece que os homens podem se beneficiar desse sistema que confere a esse gênero muito mais poder e privilégio, ao mesmo tempo em que podem também sofrer com o machismo, que também prega masculinidade e comportamento violento aos homens.
Por isso, a luta do feminismo não é contra esse homem ou aquele homem, é contra todo um sistema que se estrutura e se baseia nessas diferenças criadas.
Se uma mulher, por algum motivo, tem ódio de homens, isso não vai fazer com que eles comecem a morrer em massa e a virarem estatísticas. Esse ódio tende a ser muito mais pontual e individual. Não estou justificando nenhum tipo de ódio, mas pode ser que uma mulher tenha sido estuprada durante sua infância e sua adolescência e cresceu com profundos traumas psicológicos que rejeitam a figura masculina. E essa mulher pode mesmo nem ser feminista.
Já o ódio contra as mulheres mata e mata muito, todos os dias, a cada minuto, nos quatro cantos do mundo. A misoginia é real e ela contribui demais para a perpetuação da desigualdade entre os gêneros, para a violência doméstica e para o assassinato de muitas mulheres.
Enfim, a luta do feminismo é contra o sistema permeado pela dominação masculina, pelo machismo e pela misoginia, não é um movimento de ódio pontual a um homem ou outro.
6. O Feminismo obriga as mulheres a não se depilar, passar maquiagem, se arrumar…
Ao contrário, o Feminismo não obrigada nada a ninguém. Ele é um movimento libertador, pois clama por total autonomia e empoderamento da mulher. Assim, criamos a consciência de que somos livres para sermos o que quisermos, sem nos ater a qualquer tipo de padrão como uma obrigação a ser ser alcançada, ou sem nos prender a qualquer destino já inculcado pela sociedade ou por familiares.
Por isso, a mulher é livre para se maquiar muito ou nada, para se depilar ou não, para vestir a roupa da moda ou a que quiser, para casar e constituir família ou permanecer solteira ou estar num relacionamento poligâmico, para ser bela e do lar, ou bela e da rua, enfim…
O Feminismo não diz o que temos que fazer, apenas nos diz que somos livres em nossas escolhas, e, assim, nos sentimos bem e cultivamos de maneira plena o nosso amor-próprio.
7. Toda feminista é “gorda”, “lésbica” ou “mal-comida” (aqui vemos, também, além de misoginia, gordofobia e homofobia).

Para o machista, a mulher só vale para ele até onde ela o satisfaz, isto é, quando ele tem plenos poderes sobre sua vida, por achar que a possui, ou quando ela corresponde àquilo que ele acha que uma mulher deva ser: submissa, inferior e dotada de beleza padrão (ou uma busca por), ou quando ele possui o domínio sexual sobre ela.
Qualquer mulher que não corresponda a isso pode se tornar uma vadia, uma puta, uma gorda, uma feia, uma mal-comida, uma lésbica.
Gorda: Já faz um bom tempo que o padrão de beleza da sociedade ocidental (pode ser o da oriental também) é o da magreza extrema. Tudo bem que a gordofobia atinja mulheres e também homens, mas, no caso das mulheres, como somos valorizadas unicamente pelo nosso físico, somos, às vezes, mais atingidas. Não à toa o tanto de dietas malucas às quais nos submetidos, a insatisfação e a vergonha constantes com o nosso corpo, e a cobrança para nos encaixarmos no padrão de magreza desde crianças (isso, crianças).
Por isso, muitos quando querem ofender uma mulher a chamam de gorda, como se ela não tivesse o direito de pertencer à sociedade por não corresponder ao tal padrão. Por isso, tentam nos ofender dessa forma, praticam gordofobia e misoginia, sem saber que as feministas já se libertaram há muito tempo desses nocivos padrões.
Lésbica: Por que as lésbicas incomodam tanto alguns homens? Porque essas são mulheres que não estão no mundo para que eles exerçam a dominação sexual sobre elas. Lésbicas não se relacionam sexualmente com homens e, por isso, não estão aqui para servi-los.
Claro, juntemos isso à homofobia de nossa sociedade, eles acham que é ofensa na certa. É como se uma mulher que se relaciona com homens não pudesse ser feminista, sendo que é bem diferente se relacionar com um cara bacana do que com um machista. Eles só não sabem disso.
Mal-comida: Esse é ótimo, porque muita coisa está subentendida. Primeiro, a sociedade machista e patriarcal sempre deixou claro que o valor de uma mulher, além da beleza física, só existe se ela estiver ao lado de um homem. Que só seremos “completas” se estivermos com um homem. Que todo nosso objetivo de vida é caçar e encontrar um homem. Que nossa felicidade só existirá se estivermos com um homem.
Por isso, o mal-comida significa o contrário dessa tal mulher feliz aí de cima. Sem um homem seríamos frustadas, tristes e, por isso, lutaríamos pela igualdade de gênero. 😛
Mas, o mais legal é que muitas mulheres deixam claro: se alguma é mal-comida, tem alguém que não está fazendo os trabalhos direito, certo?
8. As feministas vêem todos os homens como estupradores em potencial
Nesse caso, há uma deturpação por parte daqueles que não aprofundam os estudos sobre desigualdade de gênero e feminismo.
Eu creio que essa frase surgiu de uma má-interpretação sobre o conceito de que uma mulher pode ter sofrido um estupro por qualquer homem, mesmo aquele no qual ela confiava, mesmo de seu padrasto, de seu avô, de seu tio, de seu namorado, de seu noivo ou de seu marido. Estupradores não só só homens psicopatas que atacam mulheres em becos escuros.
Ele pode ser um homem super normal e próximo da vítima.
Acho que a raiva estar em saber exatamente isso: que sim, o homem normal e exemplar pode ter sim estuprado a sua enteada. Esse crime não é exclusivo dos loucos e dos psicopatas. A luta contra a cultura do estupro é real, necessária e urgente.
9. As feministas clamam por igualdade, mas não são obrigadas a se alistar no Exército, a ir para guerras e a carregar sacos de cimento na construção civil

Existe um motivo pelos quais sempre foram os homens a irem para guerras… O mundo público sempre pertenceu aos homens; às mulheres foi destinada apenas a esfera privada da vida. Por isso, historicamente, elas sempre permaneceram responsáveis únicas pelas tarefas domésticas, cuidados de filhes e da família como um todo. Elas eram impedidas de adentrar o mundo político, social e intelectual. O poder era exclusivo dos homens.
Dessa forma, guerra = busca de quem tem poder por mais poder. Guerra = tarefa dos homens. Homens têm família e filhes. Alguém tem que cuidar deles para que possam ir à guerra. Mulher “nasceu predestinada” a cuidar da famílias e de filhes = mulher fica em casa. “Guerra não é coisa de mulher”. “Exército não é coisa de mulher”.
Por isso, essas pessoas não percebem que o alistamento obrigatório e a ida para as guerras é fruto do machismo e da dominação masculina, que, dessa vez, prejudica também os homens.
É hora de os homens insatisfeitos com essa injustiça questionarem a obrigatoriedade do alistamento. Eu não vejo isso como uma luta das mulheres, portanto.
Contudo, sim, muitas mulheres têm vontade de seguir carreira no Exército e reivindicam mais participação na vida militar do país. Isso está acontecendo, muitas mulheres estão adentrando o Exército e, inclusive, conquistando posições superiores nas Forças Armadas. Mas o machistas que sofrem com a misandria parecem não estarem bem informados.
Quanto aos sacos de cimentos, já vi vários memes “criticando” as feministas pois os homens fazem esse árduo trabalho braçal e as mulheres ficam só “bem-bom” (isso porque carregamos até mesmo o pecado do mundo nas nossas costas!).
Só que não! Mulheres estão cada vez mais atuando na construção civil, sejam como engenheiras ou como serventes (inclusive, já ouvi dizer que fazem um excelente trabalho), e tanto os homens quanto as mulheres se beneficiam das novas tecnologias que os poupam de carregar sacos de cimento (tipo aqueles carrinhos de mão?)…
10. Por fim, o Feminismo não é bom, basta olhar relatos de “ex-feministas” no youtube

Já vi uma ou outra mulher se declarar “ex-feminista”, falar mal sobre o movimento, menosprezar sua importância e anular sua necessidade, mas, admiravelmente, essas mulheres NUNCA foram feministas ou fizeram parte de algum movimento feminista. Como podem ser ex se não chegaram a ser atual?
Essas pessoas falam com propriedade sobre coisas que nunca fizeram parte de suas vidas ou de seus estudos. Claro que isso contribui muito para que os haters ataquem mais as mulheres feministas, pois se há mulheres falando mal do movimento e que se dizem terem feito parte dele, como não admitir que isso seja verdade?
É uma pena que isso aconteça, e percebo que essas mulheres querem apenas ganhar notoriedade, mais seguidores no twitter, mais inscritos no youtube…
Por isso, acho bacana que, quando alguém tem dúvida sobre o feminismo, converse com uma pessoa que realmente compreende o movimento e faça parte dele, de cabeça aberta, pois com certeza o diálogo será muito mais concreto e proveitoso.