Diversas mulheres já se viram em situações que se enquadram como assédio sexual no ambiente de trabalho. Muita coisa passa pela cabeça de quem sofre o assédio, a começar:

  1. Essa situação pode ser mesmo definida como assédio?
  2. Se eu denunciar, poderei colocar meu emprego e minha carreira em risco. Vale à pena prosseguir?
  3. Se eu contar para meus colegas de trabalho ou para o setor de RH, as pessoas realmente irão acreditar em mim ou permanecerão “ao lado” da chefia?
  4. Se eu abrir o jogo no ambiente de trabalho, serei vista como oportunista, aproveitadora ou mentirosa?
  5. Como provarei que estou sofrendo assédio sexual no trabalho? Algum colega poderá ser testemunha, já que isso também poderá causar uma eventual demissão por retaliação?

Segundo o artigo 216-A do Código Penal Brasileiro, configura-se como “Assédio Sexual” a situação de “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. A pena é de detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.” 

Dessa forma, para que se configure como crime, é necessário que o assediador ocupe um cargo com posição hierárquica superior à vítima, por isso, a situação mais comum, nesse tipo de assédio, acontece entre a chefia e o seu ou a sua subordinada.

Segundo Max Weber (2000), o Poder pode ser definido como “a oportunidade existente dentro de uma relação social que permite a alguém impor a sua própria vontade, mesmo contra a resistência e independentemente da base na qual esta oportunidade se fundamenta”. Aquele que possui um cargo hierárquico superior dentro de uma empresa, inevitavelmente possui mais poder que os demais. Possuir mais poder pode dar respaldo para que o seu detentor se sinta livre e legitimado para impor suas vontades a outrem, tomar atitudes autoritárias, restritivas, dominantes e humilhantes, ao também inferiorizar e menosprezar aquela que escolheu como vítima.

A dominação de cunho sexual está entre as mais clássicas nas relações pautadas em assimetria de poder segundo o gênero. Quando essa ideia se entranha nas relações de trabalho, temos o seguinte cenário:

a) Antes de qualquer coisa, o gênero feminino é visto como inferior ao masculino – temos relações de dominação/subordinação, superioridade/inferioridade normalmente na sociedade machista e patriarcal em que vivemos;

b) Além de ocupar “naturalmente” uma posição inferior na sociedade, na vida doméstica, nas relações políticas, no ambiente de trabalho, a mulher permanece ocupando uma posição inferior e subordinada a seu chefe;

c) Dessa forma, o assediador se vê em uma posição confortável para exercer esse duplo poder sobre a mulher – o de ser homem, superior, e chefe, ainda mais superior.

O assediador age de diversas maneiras para atingir o objetivo final, que pode ser a dominação sexual sobre a vítima. Como exemplos, podemos citar passadas de mão pelo corpo da vítima; fingir que irá fazer massagens; conversar de forma muito próxima e insinuante; falar sobre assuntos com conotação sexual; oferecer carona com o intuito de obter relação sexual com a vítima; trocar mensagens, e-mails, realizar telefonemas, de forma insistente e com cunho sexual; não obstante todas essas atitudes, devemos nos lembrar de que o assediador tem uma grande carta em suas mangas: a sua superioridade hierárquica e a possibilidade de desligar sua subordinada de suas atividades laborais, se ela não corresponder às “investidas”.

Porém, acho importante ressaltar que, nem sempre, o interesse do assediador é “real” pela vítima. Assediar é um simples instrumento para que ele exerça o poder sobre a vítima, qualquer que seja a satisfação que aquilo cause a ele, o que não necessariamente deva se materializar em uma relação sexual, por exemplo – apenas o constrangimento, a humilhação e desestabilização emocional da vítima já se encaixam no objetivo do assediador.

A desigualdade de gênero no mercado de trabalho é uma realidade que ainda demorará alguns anos para ser superada, e só o será com muito esforço e empenho de todas as mulheres, em diversas esferas laborais. O assédio sexual no trabalho é mais uma faceta dessa desigualdade de oportunidades laborais entre mulheres e homens. A assimetria de poder se materializa em diferenças salariais, em precariedade na ocupação de cargos de chefias pelas mulheres, em duplas e triplas jornadas assumidas por elas, no exercício de profissões mais desvalorizadas, em empregos informais ou com jornadas parciais, que refletem em menores salários; e, também, em assédio sexual.

Assim, esse tipo de conduta, tipificada como crime, serve-nos para chamar atenção sobre como a inserção das mulheres no mercado de trabalho foi feita de forma precária, o que as impossibilita de se afirmarem como sujeitas de direitos e dificulta uma verdadeira autonomia e emancipação por parte delas.

Não é incomum encontrar em filmes que retratam períodos da Revolução Industrial, nos quais as mulheres passaram a se inserir, de forma extremamente marginalizada, ao mercado de trabalho, episódios de assédio sexual e de estupros pelos patrões às empregadas. Não nos soam estranhos os casos que ocorriam entre patrões, filhos de patrões e empregadas domésticas de cunho sexual, que podem ser mesmo estupro, ou “iniciações sexuais” dos “filhos adolescentes”. Tudo isso existe pois a assimetria de poder entre os gêneros concebe uma falsa ideia de que os corpos das mulheres podem ser propriedade – propriedade masculina – e, então, o assédio é visto como atitude “normal”, “cotidiana” e legítima.

Ainda que exija certa continuidade, uma conduta pontual pode ser considerada assédio, dependendo da análise do caso (OIT e MPT, 2017). Ainda que seja necessário que o assédio esteja relacionado às relações de trabalho, este pode acontecer fora do ambiente propriamente, como em refeitórios ou no oferecimento de caronas, por exemplo. Para que se configure como assédio sexual, não é essencial que haja contato físico, já que mensagens escritas, conversas, falas, podem configurar o crime. Ademais, segundo doutrina, pode haver assédio sexual, per se, entre colegas de mesma hierarquia (no meu entender, a conduta não se enquadraria em crime pelo CP, mas não deixaria de ser, materialmente, assédio):

O assédio sexual no trabalho pode ser praticado com ou sem superioridade
hierárquica, ou seja, é possível entre colegas ou até mesmo pelo subordinado em face da chefia. Portanto, apenas para o crime de assédio (no assédio por chantagem) é exigida a hierarquia entre assediador e vítima (OIT e MPT, 2017).

A subalternidade da mulher em relação ao homem pressupõe a passividade, a docilidade, a aceitação e a correspondência das e às investidas destes, o que, juntamente com precariedade na inserção ao mercado trabalho, assimetrias de poder entre gêneros (reforçadas, ainda, por cargos hierárquicos no trabalho) levam à existência do assédio sexual. Este deve, então, ser combatido de todas as formas possíveis, com a colaboração e a empatia de todos aos seu redor e da sociedade como um todo.

Deve-se estimular a mulher a denunciar o seu agressor, sem que ela se sinta insegura em relação à perda de seu emprego, ao comprometimento de sua carreira ou que venha a se culpabilizar. Para isso, é necessário que as empresas também ofereçam todo o suporte para a vítima e que punam os agressores. As mulheres devem, também, passar por uma maior conscientização sobre seus direitos, com aumento da percepção como sujeitas autônomas de direitos e deveres na sociedade, para que, assim, se reconheçam, porventura, como vítimas de assédio sexual  no trabalho e prossigam com a denúncia, para o combate a esta conduta criminosa.