Certa vez, eu e alguns colegas estávamos conversando sobre a velha questão de “quem paga a conta”. Eu sempre tive o posicionamento do ‘cada um paga o seu’, desde de adolescente, desde beeem antes de ser feminista. Aprendi com minha mãe uma coisa triste, mas que tem explicação, vem de um problema que é estrutural(o machismo – patriarcado): se você sair com um homem e ele pagar tudo, toda a conta, saiba que ele sempre vai esperar um ‘pagamento de volta’, algo em troca, e você sabe… Por isso, você pagando o seu, não se sujeita a esse poder que o homem pensa em ter sobre você ao te ‘bancar’.
Eu sempre fiz questão de me ‘bancar’, ou mesmo parecer, pois quando ainda não trabalhava, o dinheiro pra sair provinha do meu pai, e quando comecei a trabalhar, ganhava muito pouco, mas sempre fiz questão de dividir contas, mesmo quando o carinha ganhava mais (ou bem mais).
Na discussão, várias foram as opiniões proferidas. Algumas colegas diziam que o homem tem que pagar mesmo, afinal, elas se arrumam toda, vão ao salão, gastam tempo e dinheiro com maquiagem… É o mínimo que eles fazem (quantos problemas machistões não encontramos nessa lógica? =/). Outras concordavam que o certo é dividir, não tem dessa, ainda mais se os dois trabalham e têm condições. E outras acreditavam que quem ganha mais pode muito bem fazer uns agrados de vez em quando e pagar tudo, independentemente se for o homem ou a mulher.
A conversa estava muito saudável e é legal ver como as pessoas pensam, isso nos faz refletir e até abrir a cabeça, como, por exemplo, a terceira opinião, de quem ganha mais pagar (nem que seja apenas uma fase do casal), é muito interessante e justa, quebra muitos paradigmas, como o do falso cavalheirismo (pois é embebedado de machismo), ou até do meu radicalismo (não aceitar em hipótese alguma!!).
Até que um colega relatou que estava namorando uma menina e um domingo a noite ela sugeriu que eles saíssem pra comer alguma coisa. Ele estava sem fome, então concordou em ir apenas para acompanhá-la. Ele saiu sem carteira, já que não ia comer nada, ia ser só a companhia que fica secando nosso sanduíche enquanto comemos. Foi aí que veio à tona que a menina também não tinha levado dinheiro, pois presumiu que ele fosse pagar o lanchinho pros dois. Ele então, em sua esperteza, pressupôs que ela estava com ele ‘só por interesse’, e você sabe, ficar com ‘mulher interesseira’ não dá. Ele rompeu o namoro.
O problema está na ideia que alguns homens têm de que não devem agir de acordo com regras de ‘cavalheirismo’, as quais realmente estão intimamente ligadas à cultura machista, mas se esquecem de que isso não os tornam menos machistas, se outras atitudes continuarem a serem praticadas.
Dividir a conta e abrir a porta do carro são condutas totalmente dispensáveis em uma sociedade na qual buscamos por igualdade de gênero. Porém, de que adianta um homem fazer questão de dividir toda a conta, cada centavo, não aceitar em hipótese alguma que pague tudo algumas vezes (e a namorada pague tudo outras vezes, normalíssimo entre casais), fazendo um tipo ‘progressista’ e ‘feministo’, se continua a:
– Achar que tem posse sobre sua parceira e ‘decidir’ com quais pessoas ela mantém contato e conversa
– Achar-se no direito de dizer com qual roupa ela vai sair, ‘mulher minha não anda semi-nua’
– Fazer gaslighting com a parceira em praticamente todas as discussões
– Achar que a parceira tem obrigação de fazer sexo porque estão namorando
– Subestimar a parceira e se sentir superior, porque ele é macho
– Repreender a parceira por atitudes que considera inadequada para alguém que namore, mas fazê-las constantemente (ainda que bem escondido, mas um dia a verdade vem)
– Agir com violência em relação à parceira, tanto psicológica quanto física
– Todas as outras atitudes machistas que anulam em 2 segundos a única progressista, talvez, que tenha tomado – de não pagar a conta, aêê-, mas não por não ser machista… Muitas vezes por pensar apenas em si, na grana, e que ‘não mereço mulher interesseira e mi, mi, mi’.
Não ser machista vai muito além disso. Ser feminista também. É uma questão pontual, que tem sim que ser discutida, pois vem da ideia de superioridade de um gênero, daquele que é o provedor, o que gera submissão do outro gênero e falta de autonomia e independência, mas ninguém merece prêmio por achar que ‘evoluiu’ em um aspecto sem apresentar mudanças em tantos outros, até bem mais sérios.