É comum que saiamos de uma situação que nos faz mal apenas quando ela chega ao extremo, quando fica insustentável ou quando ficar torna-se muito perigoso.
Em relacionamentos, somos coagidas a pensar que o cara vai agir com violência apenas quando ele nos bater. Excluímos a violência psicológica e emocional, que estão presentes desde o início do relacionamento, só não nos damos conta. Essa violência é mais sutil e não nos são ensinados os métodos para detectá-la. Ao contrário, nos ensinam que “pegamos o boi” quando estamos com um homem e que somos as responsáveis por mantê-los, caso contrário, seremos as fracassadas e as causadoras do fracasso do relacionamento. Que o “mercado” está muito ruim, então é melhor segurar o homem, por mais que ele seja péssimo, ‘não vamos encontrar mais ninguém’… E então, incentivam-se as mulheres a ficarem em relacionamentos abusivos, primeiro pela ideia de que sem um homem ao lado ela não está “completa”, segundo, que lá fora não há ninguém que preste, quando, na verdade, é tudo muito pelo contrário.
Pensamos que apenas a traição é um motivo para deixarmos um homem – e, isso, nem sempre -, pois o perdão a esse tipo de atitude foi bem ensinado às mulheres, mas quando a situação se inverte, é inadmissível a um homem ficar com uma ‘vagabunda’ que o traiu. Não é preciso chegar a esse ponto, há muitas atitudes, pequenas violências que sofremos, que são motivos mais que suficientes para deixarmos um relacionamento assim. Porém, muitas vezes pensamos que não, é só uma fase, vai melhorar; não, ele não é assim, está apenas nervoso, tem ciúme porque me ama demais; não, ele vai mudar, vai melhorar por mim, ele gosta de mim…
Quantas vezes eu não quis ter a sabedoria de seguir meu instinto, meu “sexto sentido”, quando alguma coisa aqui dentro dizia que era pra eu cair fora, que aquilo não estava bom, que não valia a pena continuar, pois eu já sabia o final… Mas parecia que eu queria pagar pra ver. Eu quis chegar ao máximo do sofrimento, porque esperei a pior atitude, a única que eu pensava que fosse realmente válida para terminar. Eu não me culpo, não temos que nos culpar, pois o pensamento contrário é fruto dessa desconstrução diária que temos que fazer para nos livrarmos do machismo e do patriarcado que nos torturam, que nos matam aos poucos, lentamente.
Quando desconstruímos, passamos a enxergar atitudes abusivas que são prévias às atitudes extremas e que já são mais que suficientes para pararmos por ali. Antes de bater, o homem vai falar coisas que vão deixar a autoestima de uma mulher tão baixa, que ela vai acabar acreditando nos absurdos que ele diz. Antes que ela perceba o que ele está fazendo, ele vai conseguir transferir a culpa toda a ela, até ela achar que é realmente a culpada, que está ficando louca. Depois que ela estiver nessa teia construída pelos abusos psicológicos, deixar o relacionamento não passa pela sua cabeça, nem mesmo se ele vier a bater, pois a dependência e a destruição do amor-próprio fazem com que a mulher não enxergue sua situação, ela pensa que já não pode andar com seus próprios pés.
Antes de trair, o homem já dá muitos indícios, a começar pela falta de respeito e atitudes grosseiras com a sua parceira. Começam as desculpas para não encontrar nos fins de semana, a insensibilidade aos seus pedidos, não há mais carinho, ele se afasta, e nem sei se é por sentimento de culpa. É por pura covardia, por não sair do relacionamento antes de se envolver com outra pessoa e por falta de caráter, por trair a confiança e usar tais pessoas apenas por seu prazer. Daí, muitas vezes queremos saber se ‘ele está traindo mesmo’, e isso é uma tortura que fazemos com nós mesmas. Já não faz sentido querer saber isso, pois não faz sentido ficar com uma pessoa que age dessa maneira. Não precisa haver a ‘grande descoberta’, os indícios já são mais que suficientes para nos mostrar que a relação não vale mais a pena.
Muitas vezes, terminar é uma atitude que requer muita coragem, mas ao colocar na balança o tanto que o relacionamento está fazendo bem ou mal já nos mostra que nosso bem estar e nosso amor próprio devem vir, SEMPRE, em primeiro lugar. Melhor deixar esse tipo de ‘amor’ para novelas ( e eu espero que um dia isso de fato deixe de ser até mesmo ficção…). Não precisamos pagar pra ver. Se não estiver bom, se alguma coisa diz que tem algo errado, temos que acreditar, temos que seguir, não estender e não continuar a buscar por sofrimentos.