O caminho para se atingir a igualdade deve ser feito por meio da equidade. Isso quer dizer que, não adianta simplesmente praticar uma igualdade formal se a igualdade material ainda não foi concretizada. A igualdade é algo mais “puro”, pois anula-se qualquer diferença entre os seres humanos que, de fato, não deveriam existir. Mas o problema é que elas existem, e ignorá-las de nada adiantará. Por isso, a equidade se faz necessária, por conseguir enxergar essas diferenças e tratar as pessoas com base nelas.

A equidade, todavia, não pode ser vista como algo perpétuo, pois ela pode ter a tendência em manter o status quo, ao contrário da igualdade, que visa quebrá-lo. A equidade é necessária, mas também, temporária, e por meio ela se atinge a igualdade, que será, então, permanente.

É por isso que, existem, por exemplo, as cotas para negros nas universidades e concursos públicos. Se o governo ignorasse toda a exclusão social que os negros sofrem desde a escravidão, agravada, e não abrandada, com a abolição, e adotasse o discurso de que ingressar na universidade é algo que se baseia no esforço e meritocracia do aluno, e que as cotas seriam uma espécie de discriminação negativa (e não positiva, como na verdade o é), ele estaria empregando o princípio da igualdade de maneira distorcida, o da igualdade apenas formal, e a exclusão social apenas se agravaria.

As cotas cumprem, justamente, o caminho da igualdade por meio da equidade. O governo adota a discriminação positiva e trata os negros, grupo marginalizado e excluído historicamente na nossa sociedade, nas medidas de suas desigualdades. É fato que o acesso à educação, historicamente, por eles é muito mais precário e suas condições, ao realizar a mesma prova que um estudante que teve acesso a uma melhor educação (o que no nosso país é feito por meio das escolas particulares), nunca precisou trabalhar enquanto estudava para manter o seu sustento, tem uma família estruturada, sem histórico de violência, em bairros mais seguros e bem localizados e que lhe dava o total apoio para a conclusão de seus estudos, estarão em maior desvantagem e suas chances serão bem mais diminutas.

Isso não é apenas uma conclusão de estudos e debates acadêmicos: são fatos. Basta observar o número de estudantes negros nas universidades federais do país antes e depois da implantação do sistema de cotas. Anteriormente, o número era extremamente baixo, e quase nulo em cursos mais concorridos, como medicina. Em contrapartida, fácil era encontrar negros como faxineiros, porteiros e atendentes de cantina.

É claro que o governo federal e a sociedade não poderiam esperar, digamos, mais uns 50 anos para que a educação de base, dever dos estados e dos municípios, melhorassem e atingissem o mesmo nível de qualidade das escolas particulares, para que todos os alunos fizessem as provas de admissão ao ensino superior em igualdade de condições.

Conviver com desigualdades sociais, para os que sofrem e para aqueles que com elas se preocupam, incomoda, é ruim e também inaceitável, por isso, as políticas afirmativas são medidas urgentes que estados com histórico de exclusão e desigualdade sociais como o Brasil devem adotar.

Contudo, como a equidade realmente não tem todo o potencial para a quebra de paradigmas e padrões das hierarquias que existem em nossa sociedade – excludente, patriarcal, machista, racista, homofóbica -, as políticas afirmativas são feitas com tempo para acabar. A equidade não pode ser uma medida atemporal, com tempo indeterminado – ela deve existir enquanto a igualdade material não se concretizar. Por isso, a lei de cotas foi sancionada com prazo determinado, ainda que tenha possibilidades de prorrogação. O tempo é posto a partir de estudos, em que previsões para o alcance da igualdade material são realizados.

Ao contrário do que muitos pensam, as cotas não inferiorizam aqueles que delas se beneficiam de forma justa. Inferiorizar seria tratá-los como formalmente iguais e assim, ignorar todos os problemas que a exclusão social causa em suas vidas, deixar com que todas as oportunidades que a vida oferece apenas àqueles que têm certas condições e que erroneamente pensam que conseguiram-nas por meio de meritocracia.

As cotas são necessárias e não é vergonha utilizá-las. Vergonha deve sentir aquela ou aquele que sempre tiveram tudo na vida, não reconhecem que, infelizmente, se beneficiam das desigualdades inerentes a nossa sociedade e por isso, não possuem empatia com os excluídos.

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