O filme mexicano “La Dictadura Perfecta”, de Luis Estrada, parece ter contado a realidade sobre o monopólio midiático brasileiro. As semelhanças são tão incríveis que é fácil pensar que o roteiro foi escrito por algum conterrâneo. Porém, diferentemente daqui, o México, que também convivia com a triste realidade de uma mídia manipuladora e monopolizadora (Televisa), poderá ter superado essa aberração, quando, finalmente, em 2014, sua lei de meios foi sancionada.
Paralelos com a realidade brasileira
O filme começa com um diálogo entre o jovem presidente mexicano e um chanceler estadunidense. O presidente comete uma enorme gafe ao dizer que “o povo mexicano estava disposto a exercer trabalhos nos EUA que nem os negros queriam”, isso com Obama como Presidente do país. Como o presidente foi eleito devido ao apoio que recebeu do grupo televisivo (como aconteceu aqui com Fernando Collor) – o que nos faz pensar que, com uma mídia monopolizadora e tão influente, literalmente exercendo um “quarto poder”, é impossível viver de fato uma democracia –, os jornalistas tiveram que dar um jeito de abafar o caso, desviando o assunto, evitando noticiá-lo no maior jornal do país (que seria aqui o Jornal Nacional. Pode-se pensar na recusa da Globo em divulgar as listas da Odebretch, em que apareciam seus protegidos, ou quando o fizeram de maneira distorcida). Para isso, foi divulgado o vídeo de um governador recebendo propina em seu gabinete, o que gerou uma onda de protestos no país (como fizeram várias vezes aqui – divulgam apenas aquilo que convém ao grupo midiático, repetidas vezes, de forma sensacionalista, para abafar o que querem esconder).
É interessante notar que, na internet, o vídeo da gafe estava recebendo milhares de visualizações, o assunto estava no “trending topics” do twitter, o presidente, no mundo virtual, e, portanto, real, virou motivo de chacota, o que demonstra o poder da internet na divulgação de fatos que a televisão quer esconder. Mesmo assim, como acontece no Brasil, o jornalão, que no filme tinha o nome de “24 horas em 30 minutos”, ainda é visto por grande parcela da população e seu apresentador era um grande formador de opinião (como os âncoras dos jornalões daqui, William Bonner e Waack e outros).
O governador corrupto sabia que o único jeito de conseguir recuperar sua imagem era fazer com que a “Televisão Mexicana – MX TV” (Televisa lá, Rede Globo aqui) parasse de difamá-lo e passasse a apoiá-lo. Isso quer dizer que, num cenário de dominação midiática, o político que não tiver o apoio da mídia dificilmente conseguirá ser eleito ou mesmo se manter no poder – é exatamente essa a ditadura perfeita, porque ela é silenciosa, é indireta: a TV não é a candidata política, mas é ela quem escolhe aquele que vai ocupar os cargos, de acordo com seus próprios interesses, já que seu apoio é fator determinante para tal.
Não foi difícil para o governador corrupto (Carmelo Vargas) reverter a situação: bastou encher de dinheiro (muito dinheiro mesmo) a “fundação” da MX TV que o seu apoio total, em forma de acessoria de comunicação, a ele foi declarado. Isso é muito comum aqui no Brasil com a Rede Globo: basta lembrar que, durante a era FHC, a emissora teve uma espécie de acesso quase irrestrito ao dinheiro público por meio do BNDES, o que possibilitou, entre outras coisas, que ela construísse o Projac. Os casos de corrupção do governo FHC, as suas deficiências, seus erros, todas as denúncias, tudo era praticamente ocultado das machetes e do jornalão. A tal fundação da MX TV é uma espécie de “Fundação Roberto Marinho”: fonte para sonegação de impostos e recebimento de dinheiro de fontes duvidosas, inclusive robustos incentivos pela tão mal compreendida Lei Rouanet.
A partir daí, o apoio que a MX TV dá ao governador Vargas é absoluto, e um de seus principais produtores, Carlos Rojo, tem a receita perfeita para desviar qualquer atenção do público, deveras alienado: conseguir qualquer caso que comova a população e repeti-lo exaustivamente no jornalão.
Essa estratégia é utilizada pela mídia tanto quando ela quer esconder uma coisa, como colocar excessivamente em evidência outra. Aqui no Brasil aconteceu com o processo falacioso de impeachment da presidenta legitimamente eleita: só se falava disso, apenas disso. Só se denunciou corrupção de um partido. Só se deu cobertura a manifestações a favor da deposição da presidenta. Escondeu-se muito bem a corrupção maior daqueles que a Rede Globo apoia.
No filme, o caso que veio a calhar foi o desaparecimento de duas gêmeas, brancas, classe média. A cobertura do acontecimento virou, literalmente, uma novela, e nunca mais se falou do escândalo de corrupção de seu político protegido (mesmo com tantas denúncias e evidências que posteriormente apareceram contra ele). Inclusive, como o desaparecimento se deu no estado do governador protegido, este foi tratado como um verdadeiro herói, pelo empenho e posterior final feliz com o desfecho do seqüestro. Por falar em novela, logo após o jornalão inicia-se uma novela dramática e péssima, completamente alienante, com enorme audiência – exatamente como acontece aqui!
Políticos de oposição falham ao tentar desmascarar o protegido. Para dar um ar de “democrática”, que “denunciava a corrupção sem olhar o partido”, o jornalão concedeu espaço para que um deputado do estado, opositor ferrenho do governador, e que tinha várias provas de corrupção contra este, fosse ao ar para uma entrevista. Entretanto, o que a televisão fez foi, antes de o deputado começar a falar, mostrar diversas provas contra ele sobre um caso de pedofilia. O recado foi bem dado: não adianta tentar mexer com o grupo midiático. Essa mídia, ao mesmo tempo em que endeusa uma pessoa, pode também destruí-la em questão de segundos (o exemplo aqui pode ser de novo o de Collor – a Globo colou-o no Alvorada e também o tirou de lá). É mesmo um poder sem fim.
Infelizmente, o governador protegido conseguiu, finalmente, ser eleito presidente da república, o que foi possível somente porque teve apoio irrestrito do grupo midiático monopolizador.
É o que acontece aqui no Brasil, só que, como nas urnas a Globo não conseguiu ver seus protegidos eleitos, e como democracia, nem de fachada, é nome que pertence a seu vocabulário, não foi difícil que ela irrompesse um golpe contra nosso já frágil sistema democrático em pleno 2016. A desinformação,as mentiras divulgadas, a alienação política, o desserviço prestado pela mídia golpista brasileira só teria chances de acabar se aqui fizéssemos também uma Lei de Meios. Com um governo de centro-esquerda, perdemos a grande oportunidade; com um governo golpista e colocado lá por ela, isso não será nem nosso melhor sonho.

Outras semelhanças observáveis
O México, assim como Brasil, país latino-americano enfrenta diversos problemas estruturais, mas o poder político não serve à população, apenas àqueles que ocupam os cargos e fazem de tudo para neles permanecerem – a política é um meio de vida, é um fim em si mesma, o interesse público é o que menos interessa.
O governador corrupto mostra ser meio idiota e mesmo desconhecedor de política, mas é um demagogo. Adora festas regadas a álcool, drogas e mulheres. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Dados (wikipedia e OperaMundi)
A Televisa no México detinha até 70% da audiência de televisão do México. Assim como a Globo, também tem diversos contratos de exclusividade de transmissão, como jogos de futebol, copa do mundo, fórmula 1. Exatamente como o grupo Globo.
Possui diversos canais em TV fechada; é dona de times de futebol; detém uma produtora de filmes; rádio; portais na internet; grande parte das concessões de TV aberta; alto alcance territorial; produtora musical. Exatamente como o grupo Globo, que tem também jornal impresso e revistas.
O partido querido da Televisa no México é o PRI, que ficou 71 anos no poder – uma verdadeira ditadura travestida de democracia. Aqui, tivemos uma ditadura mesmo, apoiada pela Rede Globo incondicionalmente (aliás, ela só é o que é porque apoiou a ditadura); a eleição de Fernando Collor, após um debate totalmente distorcido entre ele e Lula, o que pode não ter sido único fator determinante de sua vitória, mas foi um grande influenciador; a deposição do próprio Collor; a proteção também incondicional de FHC, do PSDB, o partido da emissora; a partir da entrada do PT no poder, iniciou-se uma insaciável caça às bruxas, que, após 13 anos, finalmente culminou no golpe jurídico-midiático-parlamentar de 2016.