Recentemente, mais uma “gafe” foi cometida por um ministro do governo interino. Ele disse que homens não vão tanto ao médico e não se preocupam muito com a saúde preventiva “porque trabalham mais”. Só que, eu não sei bem se podemos tratar essas mentiras apenas como gafes ou deslizes, já que tem muita coisa por trás de declarações falaciosas desse tipo.

Afirmar que homens trabalham mais que mulheres é a coisa mais insana que o machismo e a dominação masculina permitem a pessoas como esse sujeito dizer.

O machismo deu respaldo a essa fala, e um dos maiores motivos é a falta de reconhecimento do trabalho feminino no âmbito doméstico, que há séculos vem sendo exercido por nós de maneira exploratória. O trabalho doméstico é essencial para a máquina capitalista, mas como não é remunerado, não é reconhecido pela sociedade patriarcal. Pelo contrário, ele é tido como uma “obrigação da mulher”, que por sua vez, é vista como reprodutora/mãe/dona-de-casa, e por isso, todas as consequências da reprodução, como a criação de filhes e da casa são naturalizadas como sendo pertencentes apenas à mulher.

Ademais, como os homens detêm o poder na esfera pública e nela sempre exerceram atividades laborativas, que são remuneradas e exigem maiores qualificações, apenas esse tipo de trabalho é valorizado.

Também vale ressaltar que, por mais que as mulheres tenham conseguido certa inserção no mercado de trabalho, ainda enfrentamos inúmeras dificuldades e discriminações, como a discrepante diferença salarial entre homens e mulheres que ocupam o mesmo cargo com a mesma qualificação ou mesmo com uma qualificação maior por parte da mulher;  a tendência de a mulher ocupar postos que exijam menor qualificação e portanto auferir menores salários, como o trabalho em residências, em indústrias têxteis; e a ocupação em trabalhos com jornada parcial, para conciliar com o trabalho no lar, já que inexiste divisão de tarefas na maioria das famílias nucleares, e quando a mulher é a chefe de domicílio, configurando-se uma família monoparental, essa possibilidade também é inexistente.

Diante disso, em 5 pontos conseguimos desconstruir e esclarecer esse pronunciamento infeliz, mas que é ainda compartilhado por muitos nos dias atuais.

1°. As mulheres sempre trabalharam, e não foi apenas no ambiente privado, como muitos acreditam, e inclusive não reconhecem como trabalho. Isso é História, e aprendemos no ensino médio. Todo mundo sabe da Revolução Industrial e o quanto a mão-de-obra feminina foi utilizada e explorada pelo sistema capitalista. As mulheres e crianças trabalhavam longas jornadas e ganhavam muito menos, isso porque nossa sociedade sempre inferiorizou a capacidade laborativa das mulheres, devido à sua utilização plena no âmbito privado e sempre enalteceu o trabalho desenvolvido pelos homens, na esfera pública, já que estes sempre tiveram o domínio da política, da produção e da ciência.

2°. Esse negócio de homem ser “provedor” e a mulher ser a “cuidadora” da casa foi muito difundida pela classe média, com respaldo do patriarcado. Isso aconteceu por um tempo, principalmente nas classes mais abastadas, brancas, cis, porque não é possível que as pessoas não saibam que as mulheres negras sempre trabalharam fora, principalmente como empregadas domésticas, um resquício da escravidão que tivemos por tantos anos nesse país (assim também fora nos EUA).
Só que mesmo as mulheres que estavam restritas ao ambiente doméstico, devido a essa ligação que o machismo faz entre mulher (“papel da mulher”) como reprodutora/mãe/dona de casa, lutaram para conquistar sua emancipação (o que caracterizou a 2ª onda do movimento feminista).
Só que, conseguir a inserção no mercado de trabalho não significou um alívio no trabalho doméstico, que continua sendo exercido, quase que integralmente, pelas mulheres.

3°. Essa é a famosa “jornada dupla” da mulher, que nunca deve louvada. Não há divisão igualitária de tarefas nas famílias nucleares, e quando a família é monoparental, sendo a chefe da família a mulher (muitas famílias na atualidade são chefiadas por mulheres), essa possibilidade nem existe.
Conquistar o mercado de trabalho é visto por muitos como o grande avanço das mulheres, mas não é bem assim. Nós enfrentamos enormes discriminações salariais, ainda ocupamos cargos desvalorizados, que exigem baixa qualificação, em tempo parcial, na informalidade, e ganhamos muito menos que um homem quando ocupamos o mesmo cargo que ele, ainda que tenhamos o mesmo número de anos de escolaridade, o mesmo diploma ou até quando somos mais qualificadas.
E a jornada dupla, que já vi ser muito enaltecida por machistas, ao dizer coisas do tipo “as mulheres são demais, guerreiras, trabalham fora, cuidam dos filhos, nós não ‘damos conta de fazer isso'”, é uma aberração do patriarcado e que deve ser sempre discutida e questionada, pois as mulheres sofrem uma verdadeira exploração no âmbito familiar.
É normal até hoje ouvir que “o marido é muito bom”, porque “ajuda” a sua esposa, quando no mínimo não faz mais que sua obrigação.

4°. Sendo assim, as mulheres têm muito, mas muito menos tempo livre que os homens, trabalham muito, mas muito mais que os homens. Por isso, essa associação além de ser altamente falaciosa, injusta e horrível, mostra o tanto que esses ministros do governo golpista são extremamente incapacitados intelectualmente.
Muitos homens não vão ao médico simplesmente porque acham que não precisam. Tenho um exemplo clássico aqui em casa, que é meu pai. Ele trabalha no hospital, faz exames de centenas de pacientes todos os dias, mede a pressão de todo mundo, e nunca foi ao médico (não me lembro de ele ter ido, desde que nasci). E eu insisto para que ele vá, faça os exames necessários e ele não vai. Ele tem tempo sim, só não quer ir.

5°. Por isso, se o ministro fosse uma pessoa capacitada, com conhecimento, reconheceria que muitos homens não vão ao médico até mesmo por uma falta de hábito, ou por falta de vontade mesmo, por não acharem que seja necessário… Um dos papéis do MS é fazer campanhas que incentivem os homens a irem ao médico, alertar sobre os riscos de não ir… Mas parece que não estão conseguindo cumprir isso, com um ministro tão inábil assim.

Tão mais verdade. Tão mais simples.

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