Foto: LoveBoyfriend/Tumblr

Mais um caso de Revenge Porn que terminou em tragédia e chocou o mundo. Tiziana Cantone cometeu suicídio após anos sofrendo com as consequências de ter tido um vídeo seu e de seu ex-namorado em momentos íntimos vazado na internet. A sociedade foi cruel com a moça e as autoridades também. Além de não ter conseguido retirar o vídeo de muitas plataformas na internet (e quando conseguiu de algumas, foi com muito custo e humilhação), ela teve ainda que pagar 20.000 euros por “custos processuais” (BBC Brasil). Obviamente, ela foi considerada “culpada” por ter feito sexo com seu namorado, por ter filmado o momento, por ter tido o vídeo vazado, pelo pecado original do mundo, pela era glacial da Terra, e o namorado e seus comparsas que vazaram o vídeo… Bem, isso quase nunca vem ao caso.

Todxs já sabemos que é sempre a mulher – a vítima – a culpada nos casos de Revenge Porn. Nunca, nunca é o homem que vazou o vídeo e o divulgou para o mundo inteiro. Ainda vivemos em uma sociedade profundamente marcada pelo machismo e pela dominação masculina, que vê a liberdade sexual feminina como algo reprovável e condenável, conceito exatamente oposto quando se trata da sexualidade masculina. Assim, a culpa colocada à mulher vem desde a hora que ela mantém relações sexuais com o namorado – algo que os hipócritas condenam de forma bastante cruel, porque também fazem sexo no relacionamento, porque isso é normalíssimo, porque filmar um momento íntimo, com base na confiança, que deve permanecer apenas entre o casal (ou participantes) não tem nada de errado, mandar fotos sensuais para x parceirx não tem nada de errado, mas DIVULGAR isso para terceiros, violando a privacidade da vítima,  é o que é de fato ERRADO.

Não precisamos ir longe para encontrar casos como o de Tiziane. Aqui no Brasil muitas mulheres e adolescentes passaram ou vem passando por isso. Júlia Rebeca se suicidou aos 17 anos, após ter vídeos íntimos divulgados no Whatsapp. No caso de Fran, o responsável por divulgar seu vídeo teve como pena 5 meses de trabalho comunitário. E, nas palavras da vítima, ela morreu em vida.

As pessoas, que se colocam (assim como na política) em condição de justiceiras, julgam as mulheres (nunca o homem por também participar do ato sexual; nunca o homem por ter divulgado fotos e vídeos íntimos), MAS quando recebem as fotos e os vídeos, olham, dão zoom, assistem, pausam, assistem de novo, repassam para o grupo de “putaria no whatsapp”, comentam com os chegados, tiram sarro e pra finalizar, nos comentários no G1, julgam a mulher, de novo.

É mais triste ainda ler os conselhos para evitar o Revenge Porn. Como sempre, a culpa cai sobre a mulher e ela é colocada como a ÚNICA responsável por evitar o crime. Não é o homem que vazou que cometeu o crime e que tem que ser punido.

Por exemplo: por mais bonitinho que possa ter parecido num primeiro momento, a propaganda da Always “contra vazamentos” (aqui, um bizarro trocadilho com o vazamento da menstruação…), a mulher foi responsabilizada pelo crime de Revenge Porn e a dica foi não ficar mandando nudes por aí: “Se você não quer que suas fotos e vídeos sejam expostos, evite enviá-los para outras pessoas” (dica da Always, responsabilizando, mais uma vez, a mulher que sofreu Revenge Porn – a solução é não enviar, porque o homem pode vazar, violar a privacidade da mulher, acabar com a sua vida e ninguém se preocupa com isso).

O Revenge Porn, na nossa sociedade machista e patriarcal, possui uma tendência tão grande de ser naturalizado, e de se configurar como um crime sem punição na era digital, que até uma música de “sertanejo universitário” teve em seu refrão a ameaça de um homem à sua namorada/ficante em relação ao vazamento de um vídeo íntimo seus, como vingança. A dupla lançou o clipe da música sem nenhum escrúpulo.

O absurdo: Eu vou jogar na internet/Nem que você me processe/Eu quero ver a sua cara/Quando alguém te mostrar/Quero ver você dizer que não me conhece.

Às vezes não dá tempo de ver a “cara” da vítima: muitas tiraram suas próprias vidas por causa do crime; para tantas, mesmo vivas, a vida acabou.

A vida de uma mulher pode nunca mais ser a mesma após ser vítima de vingança pornográfica. Além do julgamento da nossa sociedade formada por justiceiros hipócritas, há também o auto-julgamento e autopunição; a exposição de sua imagem com conseqüências drásticas, tais como a impossibilidade de continuar os estudos na faculdade, a perda do emprego, e ataques reais e virtuais à honra e à imagem da vítima; a quase certeza de que o parceiro (geralmente ex), uma pessoa em quem tanto confiava, o único criminoso da história, não será julgado pela sociedade, muito menos punido pela justiça.

Há alguma proteção com relação a esse crime na nossa legislação?

Infelizmente, ainda não há uma lei que trate especificamente do Revenge Porn. Porém, as vítimas podem processar quem divulgou fotos ou vídeos íntimos com base no crime de difamação e calúnia (Código Penal). Se a vítima for menor de idade, o crime se enquadra como Pornografia Infantil (ECA) (BrasilPost).

A Lei Maria da Penha pode ser utilizada pela vítima, já que após sofrer Revenge Porn, o psicológico da mulher fica extremamente abalado, e é justamente a isso que se refere o inciso II do artigo sétimo da lei:

Art. 7° São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.

Ademais, o deputado Fábio Trad criou o projeto de lei n°199 que visa a alterar o código penal, criando, no título VI , Capítulo I (Crimes contra a Liberdade Sexual), o artigo 216-B (O projeto do Senador Romário é mais conhecido e também incluiria um artigo 216-B, porém, achei esse mais completo):

“VIOLAÇÃO DE PRIVACIDADE”
216-B Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar, sem consentimento da vítima, imagem em nudez total, parcial ou em ato sexual ou comunicação de conteúdo sexualmente explícito, de modo a revelar sua identidade, utilizando-se de qualquer mídia, meio de comunicação ou dispositivo.
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
§1º A pena é aumentada de um terço se o crime é cometido:
I – com finalidade de assediar psicologicamente;
II – em ato de vingança;
III – para humilhação pública ou por vaidade pessoal;
IV – contra cônjuge, companheira, namorada ou com quem conviva ou tenha convivido em relação íntima, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.
§2º Configura-se o crime ainda que a vítima tenha consentido na captura ou no armazenamento da imagem ou da comunicação.

Particularmente achei ótimo esse projeto de lei, o artigo conseguiu definir muito bem o Revenge Porn e no parágrafo segundo ainda ressaltou que não importa se houve consentimento da vítima. Infelizmente, pelo que vi no site da Câmara dos Deputados, o projeto (de 2014) está parado na CCJ desde março de 2015.