O Tráfico de Pessoas, segundo a OIT (2006), é um dos crimes mais rentáveis do mundo, ficando atrás somente do Tráfico de Drogas e do Tráfico de Armas.
Essa modalidade de tráfico tem uma alta rentabilidade, devido, entre outros motivos, à possibilidade de uma pessoa ser traficada diversas vezes, a diferentes países. É a forma humana, objetificada, coisificada, e que se “renova” no âmbito do tráfico.
Há diversos tipos de Tráfico de Pessoas, nos quais se incluem o Tráfico de Crianças e Adolescentes para fins sexuais, o de Pessoas para fins de trabalho escravo, o de Mulheres para fins sexuais. Esse último foi meu objeto de monografia de graduação e, aqui, vou explanar de maneira mais informal o que vem a ser esse tipo de Tráfico de Pessoas.
Farei outras matérias ainda dentro do tema, pois há muita coisa a ser explorada e estudada!
O Aliciamento
O Tráfico Internacional de Mulheres para fins de exploração sexual possui certas etapas até que o crime se efetive, com a chegada da mulher ao seu destino, no qual exercerá a prostituição de maneira forçada e escravizada.
Geralmente os aliciadores são conhecidos da mulher e de sua família, aproxima-se dela e dos demais membros de seu núcleo familiar, cria laços de amizade e passa confiança e seriedade a todos eles (problemática do “falso consentimento”). Na maioria dos casos, a vítima não sabe que exercerá a prostituição de maneira forçada no país de destino, ou, se tem o conhecimento que exercerá a prostituição, pensa que será de maneira livre e autônoma, como pôde já tê-la exercido no Brasil.
As vítimas provêm, majoritariamente, de classes mais pobres: exercem empregos informais ou se encontram desempregadas, são chefes de família monoparentais (famílias com ausência de cônjuge), possuem baixa escolaridade e quase nenhuma perspectiva de melhoria de vida no Brasil. Por isso, vêem como uma grande oportunidade (e, às vezes, única) a migração para um país estrangeiro.
Essas mulheres desejam melhorar de vida, aumentar sua dignidade, sua auto-estima, encontrar um companheiro, exercer um bom emprego, e, também, enviar remessas de dinheiro para que suas famílias (filhos, pais, mães e outros parentes próximos) no Brasil possam, da mesma forma, aumentar sua qualidade de vida.
Principais rotas (Brasil como país emissor)
A Europa é o continente que mais recebe brasileiras traficadas para fins sexuais, com destaque para Portugal e Espanha, que, segundo Leal e Leal (2002), formam a “Conexão Ibérica”:
“A ‘Conexão Ibérica’ é formada por diferentes organizações criminosas, dentre as quais se destaca a máfia russa, que movimenta US$ 8 bilhões por ano, através de seus prostíbulos em Portugal e na Espanha. Lisboa seria a porta de entrada das brasileiras nesta rota, pois o sistema de controle de imigração da capital portuguesa não impõe grandes dificuldades às brasileiras. De Lisboa, elas são levadas para outras cidades portuguesas e espanholas através de quatro rotas: Norte, Central, Rede Mississipi ou Direta”. (PESTRAF, 2002, pag. 107).
A proximidade da língua (portuguesa e espanhola) e uma relativa “facilidade” de entrada em Portugal levam esses dois países a serem os maiores receptores de brasileiras traficadas, mas outros países europeus também as recebem, como Itália, França, Inglaterra.
Não obstante, outros países receptores de destaque são Israel, EUA e, na América Latina, o Suriname.
Um ponto interessante é a proveniência das vítimas aqui no Brasil para a Conexão Ibérica: o Estado de Goiás, pois, de acordo com as pesquisas, o estereótipo da mulher goiana é o mais procurado pelos homens em Portugal e, principalmente, na Espanha.
Segundo Verônica Maria Teresi (2007), as mulheres brasileiras correspondem ao biótipo esperado por aqueles que procuram pelo sexo pago, o que agrada os clientes que demandam esse tipo de trabalho tanto em termos de beleza física quanto ao modo como as mulheres se comportam no relacionamento com homens, pois “a mulher latina é carinhosa, doce, geralmente tem mais facilidade de comunicação, sendo mais lucrativa aos clubes, onde, além da prática sexual com o cliente, sabem oferecer-lhes bebidas (‘sacarles copas’)” (Teresi, 2007: 83).
Condições insalubres, danos psicológicos permanentes e dificuldade para denunciar as máfias e os traficantes
Assim que chegam ao destino, as mulheres têm seus passaportes confiscados pelos traficantes e, dessa forma, ficam completamente impossibilitadas de se moverem no país de imigração ou mesmo retornarem ao Brasil. As vítimas são levadas para casas de prostituição, bares, boates ou apartamentos nos quais irão se prostituir de maneira forçada.
Essas mulheres chegam ao local de origem repletas de dívidas, a maioria delas fictícia e que aumentam a cada dia, por isso, a justificativa dos traficantes de manterem-nas encarceradas é o pagamento pelos serviços prestados desde a viagem do Brasil ao país de destino até alimentos, roupas e moradia já no país estrangeiro.
Por essa razão, sair da situação de exploração é quase impossível, pois, além de não terem mais a posse de seus documentos, essas mulheres “devem” os traficantes, e poderão ficar “livres” apenas quando quitarem as “dívidas”, que nunca, ou quase nunca se acabam. A presença de seguranças que monitoram a vida das mulheres restringe completamente a liberdade mesmo a de ir e vir nas ruas.
Outrossim, como os traficantes e aliciadores, na maioria das vezes, conhecem a família da vítima e seu local de residência, as mulheres se sentem inibidas a denunciar as redes de exploração, por medo da retaliação dos perversores que poderiam causar danos e mesmo mortes a elas ou a seus familiares.
Segundo a OIT (2006: 31), os fatores que impedem a liberdade da mulher traficada no país e que criam um vínculo quase permanente com as redes acaba gerando impactos psicológicos, físicos, sociais, legais e econômicos, pois assume à mulher que ela jamais se libertará da sua condição de explorada.
Agrava essa situação o fato de que, por tantas vezes, as penas sentenciadas aos criminosos são ínfimas e eles conseguem esgueirar-se da prisão em pouco tempo e tornam-se uma ameaça constante e perigosa às vítimas que se prestam ao papel de testemunha no desmantelamento das redes.
Ciclo do Tráfico de Pessoas
Meu ponto central da pesquisa perpassou a ideia de que o Tráfico Internacional de Mulheres para fins de exploração sexual tem um ciclo vicioso, que faz com que o crime se torne perene.
A ideia gira em torno da Demanda e é algo que podemos pensar também para prostituição como um todo. Será que se não houvesse a demanda pelo sexo pago teríamos esse tipo de tráfico? Teríamos mulheres exercendo a prostituição?
Essa demanda nos países estrangeiros, atrelada às condições de vulnerabilidade social e de desigualdade de gênero que atingem milhares de brasileiras fazem um casamento perfeito para que essa modalidade de tráfico exista e se perpetue.
Acabar com a demanda é algo muito abstrato e que dificilmente ações governamentais conseguiriam atingir, até porque, na sociedade machista e de dominação masculina, pagar por sexo não é algo anormal nem pecado. Contar com uma mudança cultural radical também seria utopia demais.
O que está mais alcançável e palpável são as políticas públicas que mitiguem as condições de pobreza e de vulnerabilidade social das mulheres, fatores cruciais para que se tornem vítimas desse tipo de crime.
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OBS: Penso em fazer outros posts sobre esse assunto: desigualdade de gênero + feminização da pobreza + políticas públicas, tema o qual penso em desenvolver em minha dissertação (num futuro não tão distante, eu espero!)
🙂