Foto: geoconceicao
O Ministério Público é, como a própria Constituição Federal de 1988 define, uma “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”.
Assim, o MP renasce em 1988 como uma instituição independente (antes fazia parte do Poder Executivo), essencial para o bom funcionamento da Justiça (portanto, não faz parte do Judiciário, enquanto o auxilia) e com uma vasta gama de atribuições (e muito, muito poder).
Defender interesses coletivos e difusos, portanto, de toda a sociedade brasileira, é uma atribuição bastante conhecida dos membros do MP, e que lhes é incumbida particularmente no Brasil: não são todos os MPs do mundo que possuem essa função. Espera-se que, dessa forma, essa instituição tenha um olhar sensível à desigualdade social que permeia a sociedade brasileira, aos interesses e às lutas das minorias, dos marginalizados e dos excluídos da sociedade.
Para tanto, acredito que apenas uma instituição plural, diversificada e de fato representativa da sociedade poderia alcançar alguma efetividade na defesa dos interesses coletivos e difusos. Entretanto, o MP, na formação de seu corpo, distancia-se altamente da forma como a sociedade brasileira é composta.
Temos um MP formado, majoritariamente, por homens brancos. Não há uma simetria com a sociedade nem no quesito de gênero, nem no quesito de cor. No MPF, a pesquisa de Ela Wiecko, de 2016, mostra que apenas 30% de seus membros são mulheres, enquanto, na composição da população brasileira, elas somam mais de 50%. Ademais, essa disparidade se inicia desde a hora das inscrições. As mulheres se inscrevem menos que os homens (média de 43,32% e 56,68%) e também obtêm menores taxas de aprovação.

Algumas teorias surgem sobre o porquê de as mulheres formarem minoria no MP desde o momento da inscrição no concurso. É sabido que no início da carreira, os novos e as novas integrantes geralmente são lotadxs fora das capitais, e há uma espera até que haja a remoção. Dessa forma, a pressão que a mulher sofre para permanecer perto da família, ou mesmo em relação à necessidade da constituição familiar (casamento, reprodução), pode afetar na hora da escolha sobre qual concurso prestar.
Desde que nascemos, parece que nosso destino é traçado: conhecer um homem, casar e ter filhos. As pressões são muitas e ela é refletida nas perguntas, nos questionamentos e nos julgamentos que fazem parte da vida da mulher no dia-a-dia, tais como “Você está namorando”? Se sim, “Vão casar quando”? Se casou, “Quando vai vir o bebê”? Se já veio um, “Vocês pensam em ter o segundo”? E por aí vai!
Segundo Wiecko, as mulheres podem ter uma taxa de aprovação menor por não poderem dedicar um tempo integral aos estudos quando possuem famílias, já que são as maiores responsáveis pelos cuidados da casa e dxs filhos devido à ausência ou a injusta divisão de tarefas domésticas.
Outra questão relaciona-se às dificuldades e às discriminações enfrentadas pela mulher dentro dos MPs, quando já estão na carreira. Segundo Wiecko, muitas procuradoras possuem pós-graduação, lato ou strictu sensu, a maioria atua no campo da defesa dos direitos difusos ou coletivos e muitas responderam, na pesquisa, sobre a existência de um ambiente sexista e hostil às mulheres dentro do MPF. Muitas também deixam de participar de cursos e grupos de estudos promovidos na instituição, pois esse tempo é preenchido com as tarefas domésticas e familiares.
O ambiente jurídico, princialmente no MPF, é muito machista e hostil à liderança feminina, confundida com a brabeza. Não há reconhecimento pela competência e esforço. A discriminação é sutil e também hostil, principalmente na cúpula da PGR que prioriza o homem (Wiecko, 2016: 53).
A autora ressalta as desigualdades internas que as mulheres sofrem, como na assunção de cargos mais altos, nas eleições para compor a PGR, nos postos de destaque, que são, majoritariamente, ocupados por homens. Mesmo em promoções por merecimento há desigualdade de gênero, o que é algo bastante grave e demonstra o machismo institucionalizado no MPF.
Algo que está na moda e que pode servir como exemplo é a Força Tarefa da Lava-Jato no MPF. Sua equipe é completamente composta por homens e passa a imagem da bravura, da punição, do destemor, da coragem, da valentia, características assimiladas à masculinidade e à virilidade.
No MPF as mulheres têm menos voz do que os homens, não são consultadas nas tomadas de decisões. O debate sobre o tema não é institucional e as pretensões femininas não foram ainda estabelecidas e discutidas. Sempre que se anuncia a candidatura de alguma mulher as objeções são iniciais e impedem a paridade de gênero (questiona-se experiência, capacidade, há comentários jocosos, sobre o modo feminino de ser (emotiva, autoritária etc) (Wiecko, 2016: 55).
Além disso, as mulheres sofrem internamente com assédios sexuais e morais (o que é muito comum em tantas outras instituições, no setor público e no privado), com descrédito em relação à sua capacidade profissional e pessoal, e com piadas sexistas e machistas nos diversos contextos institucionais. Não podemos nos esquecer de que a mulher também sofre quando ocupa posições superiores, ao serem tachadas de “autoritárias”, “mandonas”, “mal-amadas”, “histéricas” (Wiecko, 2016: 56). Não obstante, elas são minorias em cargos de chefia e de coordenação, já que
Somente 40,38% ocuparam ou ocupam cargos de coordenação. Os motivos relatados para não participar ou coordenar são a família, o flho menor, a falta de tempo decorrente do volume de trabalho na unidade em que está lotada, os deslocamentos, pois a maioria das atividades em órgãos colegiados demandam viagens. Algumas rejeitaram promoção, devido à resistência de seus cônjuges na mudança para Brasília ou outras capitais (Wiecko, 2016: 57).

Assim, para que se alcance uma igualdade material de gênero, sendo o MP um órgão responsável pela busca e pela garantia da aplicação dos direitos fundamentais, é necessário que essa instituição tome medidas que mitiguem a discrepância entre homens e mulheres no ingresso da carreira e dentro dela, assim como em sua atuação institucional para toda a sociedade brasileira.
Apenas com a presença mais igualitária das mulheres na instituição e com a garantia de que a elas será assegurada a igualdade na promoção e na liderança dentro da carreira, poderemos aumentar as chances no combate à desigualdade de gênero que permeia a sociedade. É imprescindível que haja uma mudança na cultura organizacional, nos modos, nos hábitos, nos pensamentos discriminatórios de colegas homens, que podem até mesmo serem reproduzidos pelas próprias mulheres na instituição.
O MP deve ser mais plural, mais inclusivo, mais sensível às demandas pela eliminação de qualquer tipo de desigualdade, discriminação e opressão dentro e fora da instituição.