Foto: Revista Forum (créditos)
Existem diversos estudos, na literatura, que investigam o comportamento do encarceramento feminino nas prisões brasileiras. Há teorias, muitas delas pautadas em discriminações e em papéis de gênero, que procuram investigar a tipologia de crimes mais comuns cometidos por mulheres, associando esse tipo de comportamento a diferenças biológicas e propensões naturais do sexo feminino.
Entretanto, a partir de uma ótica feminista e que combate a desigualdade de gênero, muitas autoras procuram entender a mudança comportamental da mulher no que concerne ao crime, que antes era predominantemente cometido no âmbito doméstico, como o infanticídio, o aborto (que ainda é crime, na maioria dos casos, no Código Penal Brasileiro), a violência contra filhos e parentes, e passaram a se concentrar na esfera pública da vida, como o tráfico de drogas, o estelionato, o roubo.
Dessa forma, as presas brasileiras, muitas vezes, compartilham características similares e histórias de vida parecidas: em sua maioria, elas são negras, foram presas devido ao envolvimento com o tráfico de drogas, são jovens, possuem pouca escolaridade e são provenientes de classes sociais mais baixas.
Pode-se notar que raça, gênero e classe social são fatores determinantes para o encarceramento das mulheres e, também, para a gravidade das sentenças. Ainda que muitas mulheres afirmem terem participado de forma secundária ou coadjuvante com seus parceiros no crime do tráfico de drogas, elas são sentenciadas por esse crime de forma mais recorrente que os homens. Esse fator pode ser explicado pelo fato de que as mulheres assumem posições mais visíveis ao público e aos policiais, possuindo contato direito com a droga e com a sua venda. As mulheres são, recorrentemente, mulas, atravessadoras e vendedoras diretas, por isso, podem ser pegas mais facilmente pelo sistema de justiça criminal.
Além da “parceria” assumida com seu eventual cônjuge, por amor, dedicação ou mesmo submissão, a mulher pode se envolver com o tráfico de drogas para assumir o maior papel que a sociedade cobra dela: o de prover, sustentar, cuidar e alimentar seus filhos. Muitas mulheres, principalmente aquelas chefes de famílias monoparentais, vêem no tráfico uma maneira de suprir as necessidades do lar e dos filhos, o que não conseguiram realizar de outra maneira, devido à dificuldade de inserção no mercado de trabalho formal e mais bem remunerado, que, por sua vez, demanda uma qualificação que elas não possuem.
Por fim, muitas mulheres também acabam cooptadas pelo tráfico de drogas para sustentarem seu próprio vício. É a única saída que encontram para continuarem a consumir a droga e para pagá-la também.
No tocante à raça, apesar de as mulheres brancas serem, ligeiramente, maioria na sociedade brasileira, as mulheres negras assumem a posição de liderança nas prisões. Isso faz com que as investigações sobre raça, gênero e crime assumam uma alta importância para a compreensão dos fatores que levam as mulheres negras a cometerem mais crimes e, portanto, serem mais encarceradas.
O Brasil é um país racista em sua essência. Apesar de nunca ter legalizado esse fator, como o fizera os EUA (Jim Crow Laws) e a África do Sul (Apartheid), e de ter, por muitos anos, sustentado o mito de ser uma “democracia racial”, o racismo sempre permeou a sociedade e as instituições (chamado Racismo Institucionalizado), das quais fazem parte o Sistema de Justiça Criminal.
As oportunidades nunca foram iguais para os diversos componentes populacionais do Brasil. Sempre existiu uma elite política, econômica e intelectual, que é, em seu âmago, branca. A pobreza, a miséria, a violência e exclusão social sempre tiveram cor. Dessa forma, recorrer à criminalidade é uma forma de sobreviver, já que isso não é possível por outros meios legais, em uma sociedade tão excludente e desigual. Contudo, seria errôneo associar o crime somente à pobreza, dado que qualquer indivíduo pode se inserir no mundo do crime, ainda que certos crimes, como os de colarinho brancos, cometidos por pessoas geralmente abastadas, não sejam tão visíveis.
Segundo Rodrigues (2010, p. 111), a partir de estudos de Behring & Boschetti, 2007, as mulheres negras são aquelas que ocupam os piores postos de trabalho e, portanto, recebem as piores remunerações. Assim, não é incomum que essas mulheres enxerguem, em atividades ilícitas, uma das pouquíssimas formas de enfrentarem as condições extremamente desiguais e de extensa vulnerabilidade social que ocupam na sociedade.
Desde a política da “guerra às drogas”, o número de encarceramentos aumentou drasticamente. Para França (2013, p. 219), “o crescimento da criminalidade feminina pode ter relação muito mais com a dinâmica proporcionada pelo tráfico de drogas do que por uma maior disposição das mulheres para cometer crimes”.
Como as mulheres de classes sociais mais baixas, com pouca qualificação e, portanto, com maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho formal, que podem ter cônjuges e companheiros envolvidos no tráfico de drogas, são mais propensas a participarem desse crime, os números do encarceramento feminino vêm apresentando aumentos a altas taxas, bem maiores que as dos homens, apesar de as mulheres continuarem minoria no sistema penitenciário brasileiro, tanto no que concerne às condenações, como ao encarceramento.
Assim, pode-se concluir que o sistema penitenciário feminino no Brasil apresenta dominantes de raça/cor e de tipologia criminal, a qual não deixa de estar atrelada aos condicionantes sociais e raciais que afetam as mulheres negras.
As mulheres negras encontram-se nos piores patamares da sociedade brasileira no que concerne à escolaridade, à qualificação para o mercado de trabalho, à média salarial recebida, às estruturas familiares das quais são provenientes e as quais acabam constituindo ao longo de suas vidas, às diversas formas de violência que sofrem e às demais adversidades que enfrentam, relacionadas à dupla discriminação sofrida: de gênero e de raça.
As estatísticas apenas conformam a situação de vulnerabilidade e de marginalidade nas quais essas mulheres se encontram. O crime do tráfico de drogas é, muitas vezes, a saída que elas vêem para o provimento de seu próprio sustento e de seus filhos; é, talvez, uma forma de mostrar fiel e submissa ao seu parceiro, sujeito que, na maioria das vezes, está no comando do tráfico de drogas; é uma maneira de manter seus próprios vícios.
É certo que a problemática do crime vai muito além das condições impostas pela pobreza e pela miséria, não obstante esses fatores sejam primordiais na conformação das características que predominam nas prisões femininas. A exclusão social provocada pelo racismo estrutural e institucionalizado, junto a uma política de guerras às drogas e de encarceramento em massa fazem com que as mulheres negras se encontrem em posições de extrema vulnerabilidade social e, não coincidentemente, são elas que se sobrepujam nos presídios brasileiros, condenadas, majoritariamente, e de forma não surpreendente, pelo crime do tráfico de drogas.
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