Foto: Via Trolebus

O vagão feminino no metrô sempre dividiu opiniões. Mesmo entre nós, feministas, o assunto sempre foi polêmico, controverso e, muitas vezes, combatido.

Eu nunca tive uma opinião muito bem formada, até começar a utilizar os vagões femininos aqui no Rio de Janeiro.

Sei que os problemas levantados pelos coletivos feministas, por especialistas e por cidadãs e cidadãos comuns são muito válidos e reais.

  1. O vagão feminino cria uma espécie de segregação da sociedade, o que é exatamente o contrário do que precisamos na atualidade, visto que, as maiores lutas e as maiores causas são exatamente aquelas em prol da inclusão das minorias.
  2. O vagão feminino não exclui o assédio sofrido diariamente pelas mulheres em tantos outros locais da vida. Ademais, é como se as mulheres fossem responsáveis pela existência do assédio sexual, por isso ELAS devem se segregar, e não os homens que devem se conscientizar de que podem ser assediadores e que eles não possuem esse direito sobre os corpos das mulheres.
  3. O grande problema das mulheres trans: afinal, elas serão ou não “aceitas” nos vagões femininos? Pois a sociedade ainda tem muita dificuldade de enxergar que a identidade de gênero vai muito além de ter esse ou aquele órgão sexual.

Bom, como diz minha amiga Simone de Beauvoir, realmente, dividir homens e mulheres na sociedade é algo inviável. Uma contraposição seria a divisão racial – negros e brancos –  evidentemente existente (e eu creio que, quando um reconhecimento grupal existe para fortalecer esse grupo, geralmente minoritário, é algo importante e bom), mas homens e mulheres mantém relações extremamente estreitas para que seja possível essa divisão.

Contudo, eu enxergo, agora, com outros olhos, a tal divisão no vagão rosa, porque:

  1. Nós, mulheres, temos o livre arbítrio de escolher se vamos ou não entrar no vagão feminino nos horários de pico. Creio que, uma mulher que já passou por uma situação de assédio sexual sabe o quanto é horrível, traumatizante, e que, realmente, só a existência do vagão não vai resolver esse problema estrutural da sociedade machista e patriarcal na qual vivemos. Porém, não vejo com maus olhos essa medida de curto prazo, imediata, que, obviamente, não exclui a medida de longo prazo e de mudança cultural, a qual, exatamente por ter que mudar toda uma estrutura social profundamente arraigada em valores de superioridade/inferioridade de gênero, demorará mais a acontecer.
  2. Eu não estou conseguindo conceber a ideia de que o vagão feminino pressupõe que nós somos as responsáveis pelo assédio que sofremos, pois a nós é permitido o uso de qualquer vagão do metrô – os homens que não podem entrar no vagão feminino – eles que são os proibidos da vez.
  3. Eu me sinto mais à vontade sim, mais segura, mais livre, e não o contrário, quando estou no vagão feminino nos horários de pico. Eu sei que ninguém vai ficar relando em mim, me encoxando, me olhando com olhares maliciosos e perversos, quando eu só quero chegar em casa depois de um dia de trabalho. Que isso não conscientiza o assediador, eu sei, mas, se evita que muitas mulheres não sejam assediadas e tenham feridas sua privacidade, sua integridade física e moral, já é um conforto para mim.

É claro que muitos homens não respeitam o uso exclusivo pelas mulheres do vagão feminino, ainda que a lei que o instrui tenha mais de 10 anos e ainda que, desde o ano passado, passou-se a cobrar uma multa para os tais infratores. Uma vez, um senhor entrou no vagão feminino e uma mulher chamou a atenção dele: apesar de ter reconhecido o erro, ele não foi para o outro vagão, pois disse que desceria dentro de poucas estações (alguma coincidência com o tal jeitinho…?); outra vez, vi um cara que parecia turista, e achou muito esquisito esse negócio de vagão feminino, como ele ia fazer para andar de metrô se só podem fazê-lo as mulheres? Intervi e expliquei que são só alguns vagões destinados exclusivamente às mulheres, e ele podia entrar em qualquer outro que não tivesse uma plaquinha rosa… Outra vez, tinha um homem sentado bem quietinho no canto dele no vagão exclusivo: quando a moça que estava sentada ao lado dele levantou, ocupei o lugar dela, dei um cutucão nele e expliquei, educadamente, que ele não podia estar ali. Ele compreendeu, pediu desculpas e passou para o outro vagão. Legal.

Acho que, talvez, não seja por mal que aconteça esse tipo de coisa, e cabe a nós explicar e conscientizar os homens para que eles respeitem a lei do vagão feminino no metrô nos horários de picos. Muitos seguranças do metrô também chamam atenção e explicam que eles não podem permanecer lá.

Dessa forma, acredito que minha experiência ao utilizar o vagão feminino tenha afastado um pouco da resistência que tinha antes sobre aceitar esse tipo de política que, muitas vezes, pode mascarar ou distorcer uma realidade muito mais profunda e urgente de ser mudada. Porém, assim como as políticas afirmativas, que possuem caráter mais pontual e de curto prazo, o vagão feminino pode se enquadrar nessas características e, ainda que não mitigue ou extinga o problema grave, cruel e diário do assédio sexual sofridos pelas mulheres, evita que muitas o sofram dentro dos vagões, o que não pode ser algo ruim.