Não foi uma nem duas vezes que ouvi essas frases – “você é diferente das outras; ou, você é muito madura para sua idade, meninas da sua idade não são assim; ou, você não é como as outras mulheres”, de homens que, supostamente, estavam interessados em mim.

O negócio é que, o que era pra soar como o melhor dos elogios do universo, a frase fatal para que eu ficasse na dele, para que eu me sentisse a “melhor” das mulheres que ele já conheceu, a “única”, ou a “top” – a palavra do momento – revela-me toda a carga de ideias machistas possuídas pelo potencial “crush”, a quem eu retiro, na hora, o meu “match”! (haha).

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Nós já sabemos que o machismo e o patriarcado sempre, sempre nos dividiram em grupos, subgrupos, categorias, colocando-nos como inimigas e rivais, quase sempre em disputa por, exatamente, machos. É muito mais fácil o domínio de um grupo disperso, desunido, do que de um grupo coeso e forte. É muito conveniente ter vários “tipos” de mulheres para se relacionar, muitas vezes, de forma poligâmica e sem culpa (tem a mulher pra casar, a pra namorar, a pra fazer sexo, a pra passar o tempo, a pra fazer comida, etc…).

Ao dizer que eu não sou como as outras, o tal homem espera que eu me sinta bem e feliz, pois eu me afasto de características femininas que são rejeitadas pela sociedade. Ele talvez queira dizer que eu não sou louca, porque toda mulher é louca? Que eu não sou fútil, porque toda mulher é fútil? Que eu não sou ciumenta, porque toda mulher é ciumenta? Que eu não sou puta, porque toda mulher é puta?

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Apenas alguns clichês aos quais nos associam.

Ele talvez também queira dizer, então, que eu tenho características elogiáveis, que se aproximam de um ideário masculino, já que esse é o padrão da sociedade, o bom, o desejável, o agradável.

Será que ele espera que eu seja a legalzona, a cool girl, que vai ser a parceirona em tudo e não vai reclamar de nada, porque assim que é bom, isso que é mulher? Será que ele acha que eu sou naturalmente maquiada e produzida, já que não sou fútil, mas também levou bastante em consideração a aparência física ao demonstrar interesse? Será que ele acha que nunca serei louca, ciumenta, fútil, e puta só quando for conveniente??

O que me faz diferente? Porque nós não somos diferentes. O que me faz melhor? Porque eu não quero ser melhor.

Eu quero ser comparada a outras mulheres. Eu quero ser associada a características femininas porque elas não são inferiores. Eu quero poder seguir feliz e saber que todas nós devemos permanecer unidas, que a freira, a puta, a santa, a médica, a engenheira, a empregada doméstica, a faxineira, a dona de casa, a CEO, a estudante, a indígena, apesar de diferentes, são todas mulheres, com diferentes lutas, diferentes causas, mas que juntas prezam apenas por nossa emancipação, por nossa autonomia, por nossa igualdade.

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Eu quero ser como as outras, do meu jeito! Foto: Incrível Club

Eu não tenho que escutar que sou melhor para me sentir bem. Eu sei que, juntas, poderemos nos tornar melhores a cada dia e que nos separar é apenas uma forma de perpetuar todo o machismo, toda a desigualdade de gênero presentes em nossa sociedade.

A questão da idade

“Você é muito madura para a sua idade”; “Outras mulheres da sua idade são muito mais infantis”; “Você parece mais velha do que é, pela sua maturidade” são outras frases muito perigosas e que estão longe se serem “elogios”.

São elas que legitimam relacionamentos entre homens muito velhos e meninas muito novas. Afinal, a adolescente com a qual o adulto está se relacionando parece que tem muuuito mais idade do que tem… Ela é tão madura. Ela consente. Ela quis. Ela não foi coagida. Ela não foi seduzida. Ela não entrou num relacionamento abusivo sem saber. Ela não foi estuprada. Ela consentiu.

A nossa sociedade sempre admitiu e incentivou relacionamentos entre homens muito mais velhos e mulheres muito mais novas. Esse sempre foi o padrão e é até os dias hoje. Muito disso perpassa o tal mito de que mulheres amadurecem mais rápido do que os homens, homens são mais imaturos que mulheres.

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O negócio é que o homem tem todo o tempo do mundo para fazer o que ele bem entende: para estudar, dedicar-se um bom período da vida para crescer na profissão, curtir a vida de solteiro daquele jeito, e quando resolve aquietar, casar, ele sabe que poderá ficar tranquilamente com uma mulher muito mais nova que ele, afinal, isso que é bom.

Leia mais: Desconstruindo o mito de que “homens são mais imaturos que mulheres”

Já às mulheres, sempre pressionadas por conta da maternidade compulsória, do desejo do matrimonio obrigatório, não surpreende abrir mão de tantas coisas na vida – carreira, profissão, outros objetivos – para assumir compromissos de casamento, gravidez, maternidade. Uma menina de 13 anos acaba de ter um filho do ex namorado de 23: é normal e a culpa é só dela, afinal, 13 anos né, mulher amadurece muito mais cedo que os homens, ela já sabia o que estava fazendo, fez porque quis, se abortar ou vai pra cadeia ou vai morrer, e ele, coitado, muito imaturo, não sabia das conseqüências, não tem culpa de nada.

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Relacionamentos equilibrados e saudáveis exigem que as pessoas estejam, no mínimo, no mesmo momento da vida, que compartilhem de objetivos semelhantes, que possam crescer e aprender juntxs. Uma relação de dominação/submissão fica muito mais evidente quando existe uma pessoa com muito mais atributos de poder: idade, situação econômica, experiência de vida, mesmo esperteza, malandragens, de quem já viveu muito mais. Num relacionamento em que o cara já teve diversas experiências, já tem boas condições de vida e às vezes é o único que trabalha, que detém o poder econômico, e a menina é, por exemplo, ainda estudante, dependente dos pais, não trabalha e nem tem experiências acumuladas de outros relacionamentos, é obvio que haverá um desequilíbrio, é provável que haja, de fato, dominação e subordinação, relações de superioridade e inferioridade.

Eu mesma já compartilhei da ideia de que relacionar com homens mais velhos é melhor, porque… Homens amadurecem mais devegar, etc, etc, o que eu pude comprovar que não, não é verdade, não, não é legal.

Por isso…

Eu digo, “elogios” que buscam nos segregar, que tentam transmitir essa inferioridade do gênero feminino, ou que tentam naturalizar relacionamentos entre homens muito mais velhos e mulheres muito mais novas, os quais podem ter muitas chances de se tornarem abusivos, são bons indícios para sabermos onde estamos querendo enfiar o nosso barco. Com um pouco mais de atenção e cautela, podemos mandar esses crushes para bem longe, longe de qualquer outra mulher… Até que ele aprenda a lição!

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