Foto: O verdadeiro pato!

O documentário “O Processo”, dirigido brilhantemente por Maria Augusta Ramos, começa com uma cena simbólica que define a polarização no campo da política, que se tornou mais evidente a partir das eleições de 2014, pelas plataformas online (as redes sociais).

O simbolismo das cores: vermelho x verde e amarelo (camisas CBF em evidência) deve ser analisado com cautela. Os movimentos sociais, de reconhecimento e inclusão são, inevitavelmente, de esquerda, pois lutam contra o status quo historicamente mantido por aqueles que detêm o poder, que são os ricos, a pequena elite brasileira, proveniente, não por obra do destino, mas pela forma como nossa sociedade se compôs, da Aristocracia Rural – os senhores do Engenho de cana-de-açúcar, mas, principalmente, os “Barões do café”.

As bandeiras dos partidos de cunho socialista têm essa cor porque foram inspiradas na bandeira do primeiro país socialista a se constituir nesse mundo: a URSS, após a Revolução de 1917. Em contraponto, verde e amarelo são as cores da bandeira brasileira, que tem origem imperial (não tem a ver com ouro, floresta, essas coisas que a gente escuta quando se é criança), possui uma frase de cunho positivista em seu centro – manter a ordem (e, na nossa história, o conceito de ordem está muito ligado à vigilância e à repressão das camadas mais pobres da sociedade, a qual é conformada, majoritariamente, pelos negros e pelas negras), e o progresso, que viria pelo conhecimento, pelo desenvolvimento científico (o que é ainda precário em um país com tanto potencial como este).

Esses dois lados se opõem em frente ao Congresso Nacional, em uma das maiores farsas de nossa história: o dia em que Eduardo Cunha preside a sessão de admissibilidade pelo impedimento da Presidenta eleita democraticamente nas urnas. A vitória do “sim”, nesse dia, só deixa evidente todo o “jogo de cartas marcadas” que foi esse processo, o qual seguiu estritamente o rito formal previsto na Constituição, mas foi o tempo inteiro carente de materialidade jurídica (Afinal, foi um grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo).

Ao final, escuta-se o lado verde e amarelo cantar o hino nacional, e isso tem um significado muito, muito forte: o país, para essas pessoas, é aquele que possui um governo de seus iguais, que os representa unicamente (ainda que de forma ilusória, pois a classe média aqui acha que é elite!), sem a contaminação do vermelho, que é o que representa os marginalizados, os excluídos, os pobres, as minorias. Como não conseguem ganhar nas urnas, sorriem e comemoram quando dão o golpe jurídico-parlamentar.

Para a classe média, temerária em perder o seu lugar um pouco “superior” na sociedade, essas pessoas que o vermelho representa podem até existir (pois, na maioria das vezes, são vistas como não-pessoas), se estiverem conformadas e resignadas em seus lugares de origem: como serviçais, subalternos, nos morros, viajando de ônibus, longe da “civilização” branca.

E essa, minhas amigas, é a grande questão do porquê o Senador Cássio Cunha Lima disse que o “Impeachment surgiu nas ruas”: porque a classe média, achando que seus interesses são os mesmo dos da elite, da verdadeira classe dominante, a qual não depende de um salário no final do mês para viver e desfrutar dos prazeres da vida, saiu às ruas, de forma fofinha, com a babá de branco segurando empurrando o carrinhos dos filhinhos, após a Rede Globo anunciar a hora que tinha que ir. E a galera fez o serviço muito bem, a emissora, essa sim elite das elites, só que completamente decadente, recebeu mais bufunfas do governo da “Ponte para o futuro” (programa que não foi votado por ninguém, nem direita nem esquerda, nem centro nem sei lá o quê) para sustentar essa mídia em processo de extinção, o que o governo de vermelho não vinha fazendo (só que, como um grande equívoco, nunca deixou de transferir dinheiro para publicidade. Eu, no poder, teria o meu maior momento de prazer quando eu zerasse as verbas repassadas a esse quarto poder responsável pela nosso atraso político e social secular!).

A classe média passou a dormir tranquila porque, apesar de ter afirmado ali, após cantar o hino, que corrobora com um governo ilegítimo, extremamente corrupto (mas não bradavam “contra a corrupção”?), este é representado pelo que há de mais velho e tradicional na política brasileira, e que, portanto mantém o status quo. É um HOMEM, um velhaco na cadeira da presidência, casado com uma novinha, um político de carreira, completamente vendido aos interesses de fora, inteiramente anti-nacionalista. É uma afronta se dizer nacionalista e cantar hino pra uma coisas dessas. Só que não temos mais no governo uma MULHER teimosa que tem como programa de governo um Brasil sem Miséria, que foca na expansão das políticas sociais e assistenciais, que preza por inclusão social e empoderamento advindo da educação e da qualificação profissional (com a expansão do FIES, do ProUni, da criação do Pronatec), que poderia continuar a aproximar, então, os mais pobres da classe média.

E a vida diz: para se sentir superior, o outro deve ser pior que eu, não eu que devo ser melhor. E, eu sei que já virou clichê, mas pobre estudar na federal, pegar avião, viajar para o exterior e comprar carro deve ter sido muito, muito difícil para a classe média engolir. Eu falo porque sou classe média e convivo com pessoas dessa classe. Eu tenho respaldo. E é isso mesmo.

Nos encontros entre os senadores da oposição (já eram oposição, mesmo quando a Dilma ainda era presidenta), a Gleisi Hoffman falou várias coisas certas: que era um jogo já de cartas marcadas, que só estavam cumprindo um rito, para não ficar tão evidente o golpe. Imagine só, um relator do parecer de acusação no Senado que escreveu num juridiquês lindo e maravilhoso que Pedalada Fiscal é crime, e fez mais de 200 quando era governador de Minas Gerais! A prática virou crime por um período certo e ainda retroagiu. Não sou do direito, mas acho que o entendimento do TCU tinha que ter vindo muito antes da pretensa condenação da presidenta e abarcar todo mundo que fez o mesmo.

Enfim, quem não sabe que isso é “só pra inglês ver”, frase que marca ainda hoje nossas mentes coloniais? Outra coisa certa: que a Dilma não teria mesmo mais condições de governar. Daí a procura de outras saídas pela esquerda, como novas eleições. Ademais, houve um reconhecimento do PT pelo afastamento em relação às suas origens, aos movimentos sociais, e a proporção que tomou aquilo que surgiu em 2013… Grupos fascistas moralizantes que tiravam foto apontando o dedo indicador para cima com Eduardo Cunha e falavam que eram “contra a corrupção”. Sempre essa!

Os discursos da advogada que impetrou o pedido de impedimento aceito por Cunha eram horrorosos, pateticamente teatrais, assustadoramente cruéis, aterrorizante, pois assemelham-se a uma tortura psicológica – estou fazendo isso, te acusando injustamente, te prejudicando, te humilhando, porque VOCÊ me levou a isso, eu não poderia deixar de fazê-lo, pois VOCÊ procurou por isso e eu só estou cumprindo o meu DEVER. Não sou da psicologia, mas tem uma dimensão doentia em tudo isso, e, na minha linguagem mesmo, eu vou resumir, essa pessoa foi movida pura e simplesmente pelo ÓDIO, um ódio imenso pelo Partido dos Trabalhadores e tudo que ele representa DE BOM. Porque, se fosse de ruim, ela não teria aceitado os tais R$45 mil do PSDB, do PSDB! para fazer essa peça (peça mesmo, até no sentido literal da palavra).

O ódio dessa advogada é só um retrato do ódio disseminado pela classe média brasileira ao ver a filha da empregada entrar na USP, ao ver suas conquistas (ironicamente adquiridas no governo anterior, do PT também!) ameaçadas, porque estão tomando o seu lugar, porque tem mulher negra entrando na política, porque tem gay casando e travesti mudando o RG e, por mais que se achem as mais estudadas, essas pessoas não têm a dimensão do que é ser donas do seu próprio nariz, correr atrás de seus direitos, cumprir também com seus deveres de cidadãs (e as pequenas corrupções cometidas todos os dias? E as sonegações de impostos? han), e precisam de heróis para salvar a pátria. Elegeram quem? O “incorruptível” Judiciário, o juiz que se vê acima da lei, da Constituição, do bem e do mal… A “equipe” do Ministério Público Federal, o carinha do execrável “power point“, das convicções… Esse Ministério Público, o grande monstro da nossa Constituição.

Nada disso teria acontecido sem a atuação – é atuação mesmo, não foi só “omissão” – do Poder Judiciário. O Lewandoviski presidindo aquele “julgamento” do Senado me decepciona, porque o STF não é mais, a partir de então, o garante de Constituição, como eu achava, quando comecei a estudar para concursos e me inteirar mais da CF/88. O afastamento do Cunha, que só aconteceu depois que ele cumpriu o papel… E o pior, o Judiciário está ultrapassando todos os limites no atual governo ilegítimo, tanto que estamos vendo uma completa judicialização da política neste país, o que é visivelmente preocupante. Quando o Judiciário começa a fazer política… Lá se vão as migalhas de democracia que ainda poderiam restar na nossa linda República dos Bananais.

A Dilma foi injustiçada, todo mundo sabe. No seu discurso, ela deixa esse sentimento evidente. Fizeram algo que não está previsto na Carta Maior, resguardaram seus direitos políticos. É porque, minhas caras, ela caiu assim como caiu um 1° Ministro no Parlamentarismo, porque perdeu força política. Porque não conseguiu articular com os congressistas… Porque não representava mais os interesses da elite dominante. Não teve crime. Aí eu penso, nosso Presidencialismo é lamentável porquanto inexistente, nesse caso. Não se tira presidente porque perdeu apoio, porque a elite não conseguiu vencer (a vitória foi apertada em 2014, nós sabemos). Tem que esperar 4 anos e ir para as urnas de novo. Porém, 4 anos… Lula poderia voltar. É o que dizem as pesquisas!

Dessa forma, a diretora fecha o documentário com o fato que CONSUMOU o golpe de 2016, já em 2018: a prisão de Lula (condenou primeiro, procurou as provas, não há… Mas prendeu). Esse é politicamente forte, é um arraso (acabou seu segundo mandato com quase 90% de aprovação). E, se esse voltar, lá vem de novo esse negócio de 75% dos royalts do pré-sal para educação, lá vem de novo esse papo de inclusão social! Viria um governo com mais mulheres nos ministérios, com mais negras e negros nos ministérios também, nas secretarias… Um mínimo de democracia significa um mínimo de igualdade, significa equidade, significa diversidade. Só que isso é inaceitável para quem canta o hino, para quem quer os papeis limitados e delimitados como sempre.

Com o golpe, nós regredimos 20 anos em 2. E não fui eu que disse isso.