Foto: Blogueiras Feministas

Nós mulheres vivemos uma grande contradição no que concerne à questão da maturidade, da autonomia e da independência.

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Enquanto crescemos ouvindo que as meninas amadurecem antes dos meninos, que somos mais aplicadas e responsáveis na escola e nos relacionamentos, somos também bombardeadas por ideias que nos reduzem a seres dóceis, frágeis, sensíveis, que precisam sempre de uma proteção, de uma tutela, seja da parte do pai, seja, posteriormente, da parte do marido.

Também não sabemos que o verdadeiro motivo daquilo que parece ser um elogio (mulher madura, responsável) é a legitimação da exploração do trabalho feminino (doméstico, gratuito, invisível), pelo homem.

A menina madura poderá casar, ter filhos e assumir integralmente as tarefas domésticas, não obstante tenha que permanecer sob a guarda de um homem e, dessa forma, terá sua autonomia cerceada, ao ter como destino certo o casamento, ao deparar-se com a dependência econômica e financeira em relação homem e ao deixar de lado planos de carreira profissional com a possibilidade de exercer trabalhos mais bem remunerados.

Assim, na verdade, a sociedade patriarcal nos coloca como eternas crianças (Wollstonecraft, 1792), incapazes de realizar nossas próprias escolhas e de ser donas de nossa própria vida. Se os direitos e as garantias fundamentais foram feitas por homens para homens, todos esses preceitos deixaram como excludente metade da população, e as mulheres foram, e ainda são tidas como não pessoas nesse tipo de sociedade (ainda que haja igualdade formal, sabemos que estamos longe de atingir a igualdade material plena entre os gêneros).

Dessa forma, podemos pensar que a infantilização da mulher é o objetivo primordial do patriarcado, pois é isso que permite que o homem domine e explore o sexo feminino. Já a adultização da mulher é usada convencionalmente, e pode ser resumida no acesso sexual ao corpo feminino, afinal, há uma grande resistência e uma grande oposição à pedofilia e ao incesto na sociedade e, se a mulher se torna “adulta mais cedo”, não haverá maiores problemas.

Porém, tal adultização é só uma máscara para o acesso aos corpos das mulheres adolescentes e jovens. Antes de ser estabelecida uma idade para o casamento, as mulheres geralmente assumiam um matrimônio antes de 18 anos de idade (que é hoje a idade mínima para o casamento, segundo nosso código civil, ou a partir de 16, com consentimento dos pais.). O Brasil é o 4° país com o maior número de casamentos infantis no mundo. Quem não se lembra do caso da menina que se casou aos 8 anos de idade e morreu um pouco depois, de hemorragia que se iniciou em seu útero? Esse é só um exemplo.

O casamento precoce impede que a menina tenha seu desenvolvimento natural no curso da vida. Tira-a da escola, faz com que ela assuma responsabilidades além da sua capacidade real (engravidar, cuidar de filhos, de tarefas domésticas). Muitas vezes, essas meninas não sabem distinguir um relacionamento baseado em parceria e respeito, e tenderão a permanecer em relacionamentos violentos e abusivos. Muitas nunca saberão o que é se amar e depois se apaixonar. Muitas deixarão de investir em si mesmas, em realizar seus sonhos, para viver a vida e os sonhos de outrem. Sem contar nos estupros dentro do casamento, e de todas as outras formas de dominação e exploração às quais elas estão submetidas.

Os homens de classe média sempre foram incentivados, e sempre tiveram tempo reservado para estudar, investir na carreira profissional e a só se preocupar com casamento e família após atingir uma carreira consolidada e uma renda financeira estável. Eles também possuíam a certeza de que se relacionariam com mulheres jovens e bonitas, mais novas ou bem mais novas, porque sempre foi “normal” as mulheres se casarem mais cedo e com homens mais velhos. Só que, da mulher, foi retirado todo esse tempo de investimento em estudos e carreiras, e todo o seu tempo foi ocupado com afazeres domésticos e outras dedicações à vida privada.

Assim, o acesso às mulheres jovens sempre foi tido como certo aos homens. Nós crescemos, então, com a ideia de que: 1. Nosso objetivo maior é o casamento, pois este ainda é visto como a melhor maneira de ascensão social de uma mulher; 2. Que seremos escolhidas pela juventude e pela beleza, então, temos que estar constantemente em busca de atingir padrões ideias de beleza e de nos mantermos com aparência jovial, muitas vezes recorrendo a cirurgias plásticas caríssimas e de risco.

Essa questão da beleza é tão central na formação de nossas personalidades e na definição de nosso lugar na sociedade que, quando as mulheres passaram a exercer trabalhos que não fossem os domésticos e os de cuidados, o maior critério de admissão a eles era a beleza física: a profissão de comissária de bordo, de modelo e de secretariado (Wolf, 1991).

A questão da beleza e da juventude feminina perpassa nossos rostos, nossos corpos, nossas mentes. A sexualização dos corpos das mulheres se inicia na passagem da infância à adolescência (a ideia da “ninfeta”, fantasias sexuais de estilo colegial, a ideia da defloração da menina virgem, a popularização do termo “novinha” no Brasil). E a fetichização de manter sexo com mulheres adolescentes e muito mais jovens rodeia a cabeça dos homens e, muitas vezes, se concretiza em forma de estupros e abusos sexuais. Ou de relacionamentos legitimados pela sociedade de homens bem mais velhos com mulheres bem mais jovens. Ou de traições legitimadas de homens casados com mulheres bem mais novas, porque “homem é assim mesmo”.

 A abominação de nossos pelos e a depilação total de nosso órgão genital

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Foto: BBC Brasil

Pelos são normais e, se existem, é porque têm alguma utilidade em nosso corpo. Os pelos das genitálias existem para protegê-las, pois são áreas sensíveis e suscetíveis a infecções.

Genitálias sem pelos são genitálias infantis – as das crianças.

Porém, muitas mulheres retiram completamente os pelos de seu órgão sexual. Muitos homens dizem “preferir” dessa forma. Mas mulheres adultas possuem pelos, e pelos que são úteis àquela região. Então, homens querem ter relações sexuais com mulheres completamente depiladas, com seu órgão sexual com a aparência de um órgão sexual infantil. E as mulheres podem achar que isso que é o certo.

As pessoas confundem a preferência pela depilação com a necessidade e a obrigatoriedade desta. Depilar e preferir assim não é o problema. O problema é quando a falta de depilação se torna uma questão de vida ou morte, ou como se fosse uma infração, um crime.

A depilação completa da região íntima é muito popular no Brasil e ficou conhecida no mundo como “Brazilian wax”. O órgão sexual feminino completamente depilado, inclusive nas regiões que necessitam de maior proteção, fica mais vulnerável; atrapalha na hora de urinar (quem nunca percebeu que, após uma depilação completa, o xixi sai todo desgovernado?); assemelha-se a um órgão sexual infantil; assim, ocorre, mais uma vez, a infantilização do sexo feminino e a fetichização pelo sexo com crianças, pré-adolescentes, adolescentes e mulheres muito mais jovens, o que, como mencionei, pode ser concretizado de forma violenta e abusiva.

No mundo pornográfico, dos vídeos mais acessados, estão aqueles com adolescentes e mulheres muito jovens, que mantém relações sexuais com caras mais velhos, os quais também estão em posição de superioridade na sociedade (patrões, professores, e relações de incesto com os pais…) e, não coincidentemente, a maior representação das genitálias femininas são da forma da depilação total.

Novinha
Digitei “Novinha” no Google.

 

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Depois das reportagens que mostraram que, ao digitar “pai e filha” no Google, os primeiros resultados eram de vídeos poronográficos, acho que eles deram um jeito e eu, quando digitei, apareceram links “normais”. Essa foto é do site capricho.com.br

As tendências e a moda podem ter influência nessa questão da depilação total, mas eu preferi fazer uma análise mais profunda, que envolve relações de poder, de dominação e de submissão na sociedade patriarcal atual. Uma mulher vista como “menina” é muito mais fácil de ser explorada e dominada, de manter-se controlada e subjugada por alguém que se passa como “tutor” ou “protetor”. Uma mulher isenta de autonomia e de emancipação será muito mais submissa e subserviente, inclusive na manutenção de um contraditório papel de ser a responsável total pelo mundo privado das relações. E uma mulher que busca sempre atingir padrões ideias de juventude e beleza sofrerá de transtornos e terá baixa autoestima, o que a estimulará a manter a máquina da indústria da beleza sempre girando, além de sofrer, de forma resiliente, com assédios, xingamentos e julgamentos em relação a seus corpos.

Em suma, temos uma sociedade que encara as mulheres como crianças, e que aproveita dessa ausência de empoderamento para explorá-las, com a assunção de responsabilidades que remetem à adultização apenas quando convém. Assim, não haverá ilegalidade no acesso a esses corpos, seja por meio da pornografia, seja por meio do casamento infantil e a posterior maternidade e a responsabilidade pelos afazeres domésticos, também por meio dos papeis e das relações simbólicas, que contribuem para o desequilíbrio de poder entre os gêneros.