Inicialmente, gostaria de ressaltar quão importante é termos o pleno conhecimento sobre os nossos corpos, sobre as suas particularidades e as suas complexidades. O corpo feminino vai muito além da forma tão reducionista, objetificada e inferiorizada como as pesquisas científicas o tratam – pesquisas essas dominadas, há séculos, por homens.

Vulva e vagina são coisas diferentes!

A vulva é a parte externa do nosso órgão genital, e compreende o monte pubiano, a glande do clitóris, os grandes e os pequenos lábios, os orifícios da uretra e da vagina, enfim, toda a parte externa. A vagina é, então, somente o canal que vai até o colo do útero.

É preciso desconstruir vários tabus, mitos e sensos comuns que nos levam a um profundo desconhecimento e a uma falta de domínio sobre os processos que ocorrem interna e externamente conosco. Crescemos sem saber os nomes corretos da nossa genitália, muito menos a sua composição. Há mulheres que só descobrem, já bem adultas, que o canal por onde passa o xixi é diferente daquele por onde desce a menstruação…

Por falar nisso, aprendemos, desde novas, que menstruar é algo ruim. Passamos a ter vergonha e nojo do nosso sangue. Ainda adolescentes, meninas começam a tomar a pílula anticoncepcional, receitada sem qualquer pudor, pela maioria dos/as profissionais. Assim, elas crescem desconhecendo o seu ciclo menstrual, as mudanças hormonais e tudo que elas desencadeiam em nossa mente e em nosso corpo.

Cremos que os nossos cheiros naturais são “fedorentos”, e recorremos a produtos altamente tóxicos para deles nos livrarmos. A misoginia é o principal motivo pelo qual os cheiros femininos característicos se tornaram repugnantes, e nós acabamos por reproduzir e aceitar esse ódio, sem muito refletir ou compreender as razões cruéis que estão por trás de tudo.

Relações sexuais e (a falta de) orgasmos

Muitas mulheres afirmam nunca ter tido um orgasmo em uma relação heterossexual. Várias ainda acreditam no mito, contado por muitos homens, de que existe “orgasmo intravaginal”, ainda que a glande do clitóris, responsável pelo prazer sexual feminino, seja completamente externa. Há vários relatos de mulheres que sofrem durante a relação sexual, e isso se deve, principalmente, à falta de lubrificação vaginal. Muitos parceiros não se preocupam com isso, já que, infelizmente, ainda é aceitável que a relação sexual se complete com o gozo masculino, e a falta do gozo feminino é até normalizada.

O clitóris é a parte do corpo feminino que mais possui terminações nervosas. Ele é o único órgão cuja função exclusiva é a de sentir prazer. Há a parte externa, localizada na vulva, conhecida por glande, e as partes internas, que não são vísiveis.

Na menopausa, é mais comum a vagina se tornar menos lubrificada, mas isso pode acontecer por diversos motivos, inclusive pela falta de estimulação clitoriana, e em qualquer fase da vida (no meu caso, quando eu tomava anticoncepcional, eu me sentia extremamente “seca”). Ainda é um tabu o uso de lubrificantes vaginais, e muitos deles, no entanto, têm componentes péssimos, como parabenos e óleos minerais.

Da mesma forma, somos profundas desconhecedoras dos nossos fluidos, a ponto de nos assustarmos com qualquer coisinha que apareça na calcinha. É triste não sabermos diferenciar fluidos que significam saúde, lubrificação e fertilidade de outros que realmente são preocupantes.

Cada vulva é única!

Quando a nossa genitália não é sexualizada e objetificada, ela se torna aterrorizante. A repugnância em relação à anatomia dos nossos órgãos genitais, o que inclui a sua cor, o tamanho dos pequenos e dos grandes lábios e os pelos pubianos, é mais um fruto da misoginia que impera em nossa sociedade. Um dos textos mais acessados aqui no blog é sobre a infantilização dos nossos corpos e a polêmica sobre a depilação “total” da vulva.

Quais são os motivos pelos quais o bonito e aceitável é ter uma vulva similar a uma vulva infantil? O que perdemos, em termo de saúde, tempo e dinheiro para atingir um aspecto que irá agradar o mundo masculino? A procura por cirurgias plásticas na vulva tem aumentado nos últimos anos. Há mulheres que se queixam sobre o tamanho dos seus pequenos lábios, da sua abertura vaginal… Porém cada vulva é única e não existe um padrão “correto” – o que elas querem atingir é o que veem na pornografia, a qual, por sua vez, reflete o que há de mais odioso em relação às mulheres e ao corpo feminino.

Cada vulva é única!

Dessa forma, é mister conhecermos a anatomia do nosso corpo de uma forma não objetificada, e não focada somente na reprodução, como a maioria dos livros nos “ensina”. Esse conhecimento é essencial para que possamos cuidar bem da nossa saúde sexual e da nossa higiene íntima, o que perpassa a recusa por várias práticas ditas “boas e corretas” nos cuidados com a vulva e com a vagina.

Sabonetes íntimos do mal

O primeiro deles é o polêmico sabonete íntimo. Muitas ginecologistas são contra o seu uso exacerbado, pois eles podem alterar a flora bacteriana e os lactobacilos essenciais em nossa vagina (flora vaginal). O pH vaginal é ácido e varia entre 3,8 e 4,5. A maioria dos sabonetes possui pH alcalino, já que o processo de saponificação envolve o hidróxido de sódio, cujo pH é altamente básico. Ademais, aqueles com cheirinho estão carregados de inúmeras substâncias químicas que podem ser tóxicas, ainda mais para uma região tão sensível como a vagina.

Nossa vagina é tão inteligente que ela já faz a sua própria higiene. Por isso, nossa intervenção deve ser mínima (menos é mais), e somente na parte externa (vulva). O sabonete deve ser o mais neutro possível, sem aqueles paranauês que a gente já sabe que fazem muito mal.

Infelizmente, os mais comercializados estão longe de serem adequados. Na composição do mais conhecido, o Dermacyd, há o surfactante lauril, que é bastante abrasivo, a fragrância sintética, altamente alergênica e completamente dispensável para a região, e o conservante metilparabeno. Os parabenos são estrogen-like, o que pode afetar negativamente o nosso sistema endócrino e a nossa produção hormonal natural. Um sabonete íntimo conter logo parabeno já seria mais que suficiente para nunca mais comprá-lo…

Alternativa natural

Eis que descobri, nas minhas andanças pelas feirinhas veganas aqui do Rio, um sabonete íntimo maravilhoso feito pela Mimos, com extrato de barbatimão. Essa planta era utilizada pelas nossas ancestrais para prevenir infecções por fungos e bactérias na região íntima, como a entediante candidíase. Eu o uso somente na área externa (na vulva, em uma limpeza delicada entre os grandes e pequenos lábios). Ele também é cicatrizante e pode ser útil contra corrimentos anormais.

O bom é que a Mimos está com uma loja online e entrega em todo o país!

Lembre-se sempre de que nossa vulva tem cheiro e não temos motivos para lutar contra isso (mas podemos lutar contra a misoginia, ao compreendê-lo e aceitá-lo). Devemos nos preocupar somente quando esse cheiro estiver anormal.

E por falar em candidíase… há mais dicas valiosas para nos livrarmos dela de vez!

Sabão de coco, calcinhas de algodão, papel higiênico macio e ducha nem pensar!

Duchas e banhos de assento são outros cuidados bem polêmicos no mundo vaginal. O problema dessas atitudes ora inocentes é que a limpeza da vagina, além de desnecessária, pode causar consequências desastrosas e bem chatinhas. A vagina é ainda mais ácida do que a vulva. Portanto, ela já consegue criar uma ótima barreira contra bactérias e fungos forasteiros. Se limparmos essa região com sabonetes e outros produtos esquisitos, mataremos esse exército tão potente, e tornaremos o ambiente livre para os invasores.

A duchinha não só deixa o ambiente “livre”, como já leva os forasteiros para lá. Muitos desses seres vêm do nosso próprio ânus, que está bem pertinho do canal vaginal. Por isso, outra dica importante é sempre limpar a vulva de frente para trás, nunca o contrário. Isso vale também para a passada de papel higiênico que, aliás, deve ser feita bem de leve para não arranhar a pobre da vulva. Sempre que puder, após o xixi, dê preferência a lavá-la – além de usarmos menos papel higiênico e contribuirmos com a mãe natureza, evitaremos probleminhas acima citados.

Tenho usado um papel higiênico que tem toda a cadeia de produção 100% sustentável, feito pela marca Copapa. A embalagem, ao invés de plástico, é feita com  fécula de mandioca, e pode virar adubo! O preço é bem parecido com os convencionais. Bora fazer mais essa revolução?

Desde que me tornei sexualmente ativa, passei a ter dois problemas constantes: candidíase e cistite. Esta última, tenho arrepios só de lembrar da dor e do incômodo que ela causa. A candidíase sempre foi mais tolerável, pois eu a encarava como um “mal menor”. Mas a gente pode se livrar, sim, de todo os males!

A candidíase é uma doença causada pela proliferação do fungo Candida albicans, que até já vive por aquelas terras. A gente não “pega” a candidíase* – a gente a desenvolve, e há vários fatores que podem causar esse desequilíbrio na flora vaginal: má alimentação, estresse, uso de antibióticos, sistema imunológico em baixa, higiene não suficiente… Calcinhas de tecido sintético, biquini molhado por muito tempo, roupas muito apertadas também são fatores que contribuem para o fungo se multiplicar.

Uma dica bacana é lavar as calcinhas (de algodão, sempre!) com sabão de coco neutro, e deixar que elas sequem em um ambiente não úmido e com bastante ventilação (não as deixe secar no banheiro). Em momentos de crise, é bom dar uma passadinha nelas antes de vestir, para certificar de que estão bem sequinhas mesmo.

Da mesma forma, é essencial diminuir o consumo de açúcar – afinal, não queremos alimentar os bichinhos que amam açúcar, né – e inserir probióticos e lactobacilos na dieta – existem vários veganos (como o Rejuvelac), pode deixar a vaquinha em paz!

Sempre que for à praia, à cachoeira ou ao clube, leve uma calcinha limpa e seca para se trocar. Prefira usar saias e vestidos para não abafar a dita cuja, principalmente nos dias de calor. Ah, dormir sem calcinha também é ótimo para dar uma ventilada na região!

*Bom, por mais que a candidíase não seja considerada uma IST, ela pode ser sim passada entre parceiros/as. Então, proteja-se, ainda que faça o uso de contraceptivos e esteja em um relacionamento estável. Ou largue-os de vez e seja MUITO feliz (em todos os sentidos) só com o preservativo!

A nossa linda e querida menstruação: absorventes, calcinhas de pano e o copinho revolucionário

Menstruar significa tantas coisas boas! Para quem não quer engravidar, um alívio; para quem o quer, uma esperança para o próximo mês; para quem busca autoconhecimento, nada melhor que poder compreender cada fase do ciclo menstrual, as mudanças hormonais, as variações de desejo, de disposição, de energia, de criatividade… É uma pena que fomos ensinadas a ter uma visão negativa de algo tão essencial, belo e inerente ao corpo feminino.

Há vários tabus que giram em torno do sangue menstrual, visto por algumas culturas como uma coisa suja e impura. Não é à toa que muitas de nós o achem nojento e fétido. Porém, ele não é nada disso. O sangue menstrual é, na verdade, rico em nutrientes, como o ferro. Afinal, ele era o endométrio quando no útero, e estava ali, esperando para alimentar o ovo fecundado!

Aliás, o nosso sangue menstrual é um potente fertilizante para a terra, já que também contém compostos como nitrogênio, fósforo e potássio¹. Nossas ancestrais faziam rituais nos quais deixavam o sangue menstrual cair diretamente à terra, para fertilizá-la, e devolver os nutrientes que dela adquirimos por meio dos vegetais. Esse ritual se chama “plantar a lua”. 😊

Foto: BBC

O cheiro do sangue menstrual é um cheiro de sangue, oras bolas. O que o deixa “fedorento” são os compostos químicos presentes nos absorventes descartáveis (péssimos para a natureza e para o corpo).

Por falar nisso, absorventes descartáveis são completamente dispensáveis em nossa vida. Inclusive, aqueles ditos “diários” fazem um mal danado à nossa amiga: abafam a coitada, “não a deixam respirar”, o que propicia diversas infecções por bactérias e fungos.

Eles são os responsáveis pelo asco desenvolvido, por muitas mulheres, em relação à menstruação. Causam coceira, desconforto, deixam as mulheres inseguras para realizar atividades físicas (pois não conseguem absorver direito o sangue e este vaza facilmente), tornam o sangue fétido e mudam a sua aparência… Não temos a chance de conhecer realmente o nosso sangue e criar uma intimidade maior com essa fase do ciclo.

O coletor menstrual é uma benção na vida de quem conseguiu a ele se adaptar. Sustentável, econômico, prático… Basta ter alguns cuidados básicos, como fervê-lo sempre após fim do período menstrual. Use uma panelinha própria esmaltada – isso aumenta a sua durabilidade! Escrevi mais sobre o coletor aqui!

Uso o copinho há quase seis anos e sim, foi uma grande revolução que fiz em minha vida. Contudo, nos últimos dias do ciclo, o fluxo fica mais lento, e não compensa utilizá-lo. Resolvi comprar os absorventes de pano da marca Korui e gostei deles desde a primeira vez! São extremamente confortáveis, fáceis de lavar e não deixam vazar nada! Devem ser trocados de 6 em 6 horas, então é interessante comprar uns 5 ou 6, para dar tempo que eles se sequem entre um uso e outro. É bom ter também uma bolsinha para colocar os absorventes usados, se tiver que trocá-los fora de casa.

As calcinhas absorventes são ótimas opções para quem não se adaptou ao coletor menstrual, pois pode-se ficar com ela por mais tempo. São muito confortáveis e a absorção é incrível.

Com tantas opções melhores e mais sustentáveis, não há motivos para continuar a usar absorventes descartáveis!

Lubrificantes e tabus

A relação sexual deve ser sempre consentida e prazerosa para todo mundo que participa dela. É hora de darmos um basta em conceitos ultrapassados que envolvem, por exemplo hímen, virgindade e dor no ato sexual; passividade feminina e a disposição de seu corpo; relegação e desnecessidade do gozo feminino em todas as relações…

A falta de lubrificação é uma das maiores responsáveis para que o sexo cause mais dor do que prazer a muitas mulheres. Nem sempre a nossa lubrificação natural será suficiente, e isso pode ocorrer em qualquer idade. Sem a lubrificação adequada, haverá mais atrito no momento da relação sexual, que pode ocasionar ferimentos e lesões na dita cuja. Recorrer aos lubrificantes íntimos não deveria nunca ser motivo para vergonha ou constrangimento – é a nossa saúde, o nosso bem estar e o nosso prazer que estão em jogo.

O único problema é que muitos lubrificantes vendidos em farmácias são recheados de componentes ruins – nos tradicionais, há sempre mais de um tipo de conservante parabeno. Ainda é difícil encontrar um que seja natural. Inclusive, não é muito prudente usar insumos que temos na cozinha (rsrs) com fins de lubrificação, como o óleo de coco. Devemos buscar um que seja à base de água (para não danificar o preservativo), e que tenha o mínimo possível de compostos esquisitos. Encontrei, então, o Vagisil, feito especialmente para a nossa região íntima. Ele tem propilenoglicol, mas não contém parabenos como conservantes. Foi o melhor que achei nas minhas buscas frenéticas.

Obrigada por chegar até aqui!

O próximo texto será o último que contemplará cuidados naturais.

Precisamos nos amar completamente, e isso começa pelo conhecimento e pela aceitação do nosso corpo, bem como pelo respeito, em todos os sentidos, a ele.

Consultas

¹ https://korui.com.br/o-sangue-menstrual-e-seu-poder-fertilizante/

https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/12/05/clitoris-11-coisas-que-todo-mundo-deveria-saber-sobre-esse-orgao-especial.htm

https://drauziovarella.uol.com.br/mulher-2/como-fazer-a-higiene-intima-feminina/

https://razoesparaacreditar.com/papel-higienico-sustentavel-vira-adubo-rj/

https://www.tuasaude.com/candidiase-vaginal/

https://www.minhavida.com.br/saude/materias/30809-7-duvidas-sobre-candidiase-que-toda-mulher-precisa-saber

https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2018/04/24/9-fatos-que-toda-mulher-e-todo-homem-deveria-saber-sobre-odor-vaginal.htm

https://naomekahlo.com/11-coisas-que-voce-precisa-saber-sobre-a-sua-vagina/