Foto: Tendencee
A minha premissa é a de que o consumo excessivo de carne está completamente correlacionado com a masculinidade tóxica e as relações de violências, opressões e dominações existentes na sociedade patriarcal.
Acredito que a maior justificativa para o consumo massificado de animais tem como base a anterior analogia entre mulheres, natureza e sentimentos e a inferiorização em relação à analogia que liga o homem à cultura e à razão. As mulheres, a natureza e os animais, vistos pelos olhares patriarcais, devem ser dominados, subjugados e explorados. Nada obstante, são as mulheres racializadas e as não europeias as que mais sofrem com a subjugação da colonialidade do poder (Quijano, 2017).
O rebaixamento nutricional dos vegetais obteve êxito diante da supervalorização dos alimentos de origem animal – seus próprios corpos ou os derivados da exploração das fêmeas -, que são atenuados por nomes como “carne” “bife”, “hambúrguer”, “nuggets”, “frutos do mar”. Não é estranho pensar o porquê disso. Os vegetais são associados à figura feminina, à pacificidade, à leveza, ao comunitarismo. Já as “carnes” são associadas à figura masculina, à violência, à virilidade, à guerra, ao domínio, à disputa.
Sempre escutamos as mesmas ladainhas de que a humanidade só evoluiu porque os seres humanos passaram a consumir outros animais, e que quem esteve à frente disso foram os machos. Esse senso comum é permeado por controversas, e estas começam pelo fato de que há indícios que apontam para a atuação das mulheres na caça, o que derrubaria a ideia de que elas somente preparavam os alimentos.
Outro fato muitas vezes esquecido foi que o advento da agricultura possibilitou, nada mais, nada menos, que a constituição de sociedades e de civilizações, já que os indivíduos podiam, agora, assentar-se, criar raízes e deixar a vida de nômades para trás. E foram as mulheres as pioneiras na descoberta dos meios de cultivo de cereais e vegetais.
Os alimentos de origem vegetal são riquíssimos e possuem altos valores nutricionais. Eles conformam, inclusive, a alimentação dos animais criados para o abate, que são herbívoros ou onívoros, mas nunca carnívoros. Todos os nutrientes que precisamos, com a exceção da vitamina B12, podem ser encontrados na dieta vegetariana. Sempre argumento que, se podemos captar macro e micronutrientes da “fonte”, por que precisaríamos de um “alimento” intermediário?
A vitamina B12 é originalmente encontrada em bactérias que vivem na terra. Assim, quando se comiam alimentos cultivados de forma orgânica, sem tecnologias e modificações que comprometem todo o valor nutricional da nossa comida, ela podia ser obtida naturalmente em uma dieta vegetariana.
Nada obstante, não são todos os alimentos de origem animal que possuem níveis suficientes de B12, já que a alimentação dos animais criados para o abate também é comprometida pelo cultivo não natural de suas rações. É por isso que muitas pessoas que consomem animais apresentam deficiências dessa vitamina. Não é incomum que também apresentem deficiências de outros nutrientes, inclusive do ferro.
O consumo desenfreado de animais iniciou-se com a criação da chamada “indústria da carne”, a qual lucra enormemente enquanto adoece as pessoas e o planeta Terra. Estabeleceu-se, na cultura ocidental, que a ingestão diária de “carne” era algo “saudável”, “essencial”, além de ser um meio de garantir certo status às classes sociais que adotassem essa dieta.
O acesso aos alimentos de origem animal se massificou a partir de um processo de enorme alienação, por parte dos consumidores, de toda a cadeira de produção da indústria da carne, e que perpassa, também, a produção monoculturizada da soja transgênica, que é a base das rações dadas aos animais criados para o abate.
Todos aqueles pedaços de corpos embalados em plásticos e isopores, realmente, não remetem a um animal que um dia teve vida, sofreu desde a concepção, gritou e se desesperou nos segundos antes de sua morte. Da mesma forma, quem consome “carne” não se dá conta de toda a exploração e das condições degradantes dos/as empregados/as da indústria, como aqueles que trabalham no momento da criação insana desses animais, aqueles que executam o abate, ou aqueles que atuam no destrinchamento desses corpos.
Eu sempre digo que é muito fácil comer carne se tem alguém que faz o trabalho sujo e desumano para que aquele “bife” chegue fofo e limpinho à mesa dos que se julgam superiores, valentes, ou mesmo “normais” por comerem animais. Eu acredito na bondade das pessoas, e sei que a maioria delas, quando confrontadas sobre se conseguiriam matar um animal para consumo, respondem que “não” e só o comem justamente porque não tem que fazê-lo.
Consumir animais criados para o abate nada tem a ver com “cadeia alimentar”. Esses animais não existiriam espontaneamente na natureza, pois só nasceram, majoritariamente por meio do estupro das fêmeas, para morrerem brevemente. Muito menos os seres humanos que consomem essas carnes saíram à caça para adquiri-la. Ela é somente mais um produto do sistema capitalista, que consegue objetificar e mercantilizar tudo em busca do lucro desenfreado.
Portanto, é muito importante que os alimentos de origem vegetal sejam novamente reconhecidos pela sua excelência, pela enorme quantidade de nutrientes que eles carregam, pela sua diversidade e pelo seu sabor. Cultivados e produzidos, preferencialmente, de forma orgânica, esses alimentos só nos trazem benefícios, além de respeitarem a terra e os seus ciclos. Enquanto isso, a criação de animais, além de desrespeitarem os animais e desconsiderarem seus direitos e seus sentimentos, somente degrada o meio ambiente, a terra, as águas, o ar. Tornados “alimentos”, esses corpos estão carregados de toxinas, antibióticos, hormônios e aditivos bizarros altamente cancerígenos.
De maneira mais holística, os princípios do ecofeminismo nos dizem que devemos considerar todas as formas de opressão de maneira interligada, e que a superação de uma não se dará enquanto a da outra não acontecer. Se a submissão das mulheres ocorre pela mesma lógica da submissão da raça e do especismo, é urgente que a pauta ecológica seja considerada, se realmente quisermos uma sociedade livre de quaisquer opressões e dominações.
Referências:
ADAMS, Carol J. A política sexual da carne: Uma teoria feminista-vegetariana. São Paulo: Alaúde, 2018.